Você viu o meu servo?
“Perguntou ainda o Senhor a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal.” Jó 1:8
Depois de uns dias sem poder escrever nossos devocionais, por conta do equipamento que estava dando um certo trabalho para atualizar, aqui estamos, novamente, para seguir refletindo um pouco em algumas perguntas registradas pelos autores bíblicos. Quando paramos a semana passada, falávamos das possíveis intenções do Eterno ao falar com personagens específicos, e as questões que Ele mesmo apresentava.
Vimos, entre outras coisas, que ao formular aquelas questões, Deus não estava interessado em receber respostas óbvias, até porque Ele não depende das nossas respostas para obter informações que julgar importantes. Sua intenção, como percebemos, é provocar seus ouvintes e incomodá-los com reflexões importantes para a vida e para a descoberta, da nossa parte, dos planos estabelecidos por Ele para atender nossas necessidades e promover nossa felicidade. Nossa pergunta de hoje vai nessa mesma direção.
O contexto é no mínimo curioso. A cena se desenvolve em algum lugar determinado por Deus, onde uma reunião parece ter sido convocada e os participantes são ilustres representantes dos filhos de Deus. Claro que nem todos são tão ilustres assim. Estava entre eles Satanás, talvez até chamando para si mesmo o direito de representar o nosso planeta, já que Adão abrira mão dessa honra ao comer do fruto proibido. Os planos propostos para a reunião parecem correr o risco de serem frustrados quando Satanás vai se apresentando. Então o Senhor Deus trata de tomar a iniciativa do diálogo e tornar claras as intenções do Inimigo: “De onde você vem?”, pergunta o Eterno como quem não soubesse. Talvez a melhor pergunta fosse “O que você está fazendo aqui?”
A resposta de Satanás, ao contrário dos outros personagens que já mencionamos nesta série de perguntas, é bem elaborada e tem outras intenções escondidas nas entrelinhas. Ele trata logo de insinuar que sabe de informações importantes que talvez o Senhor tentasse esconder de todos os outros ali reunidos. “Venho de rodear a Terra e passear por ela!”, disse orgulhosamente. Imagino que se tivesse tido a chance de prosseguir, teria insinuado que as coisas não estavam assim tão boas para o lado do Criador. Quem sabe tentasse argumentar que os seres humanos haviam encontrado outras formas de adoração e que todos estavam cada vez mais distantes dos caminhos de Deus. Imagino que teria apresentado um relatório otimista de suas conquistas, apresentando uma humanidade cada vez mais interessada em construir seus próprios deuses por considerar distante demais o Deus Criador do universo.
Tivesse ele a chance, e creio que teria apresentado em seu relatório o quanto os homens já teriam desfigurados em si mesmos a imagem e semelhança de Deus, com as quais foram presenteados; quem sabe apresentaria o número exato de mortos, vítimas de guerras, enfermidades, crimes e tantas outras atrocidades, estimuladas por ele mesmo – Satanás. Eu não ficaria surpreso se ele, orgulhosamente, dissesse que a humanidade deixou de servir a Deus, para atender suas ordens e viver sob o domínio de seus demônios. Talvez, para atrair ainda mais a atenção dos demais presentes àquela reunião, Satanás teria dito que a humanidade abandonara, de livre e espontânea vontade, os caminhos do Senhor, para viverem dissolutamente a liberdade que ele mesmo promovera e estimulara, mas também se orgulharia de poder mostrar as imagens daqueles que cedendo às tentações, se tornaram escravos dos vícios, da maldade e da desgraça disfarçada de alegria e felicidade.
Mas antes mesmo que ele tivesse a chance de apresentar seu relatório, o Senhor se adianta para saber algo ainda mais poderoso. Não vai oferecer ao Inimigo nenhum espaço para a autopromoção. Conhecedor de todas as coisas, inclusive das intenções do coração de Suas criaturas, Deus decide se antecipar e pergunta: “Você reparou em meu servo Jó?” Desta vez o Senhor não se limita a questionar; ele já vai entregando parte da resposta que pretender receber. Antes mesmo que Satanás possa se pronunciar, o Eterno já apresenta as qualificações do filho em questão: “Não há ninguém na terra como ele. É homem íntegro e correto, teme a Deus e se mantém afastado do mal.”
A resposta de Satanás à pergunta de Deus dá mostras de sua má intenção ao decidir participar daquela reunião. “É verdade, mas Jó tem bons motivos para temer a Deus. Tu puseste um muro de proteção ao redor dele, de sua família e de seus bens e o abençoaste em tudo que ele faz. Vê como ele é rico! Estende tua mão e toma tudo que ele tem, e certamente ele te amaldiçoará na tua face!” (Jó 1: 9-11). A estratégia de Satanás é continuar acusando Deus de ser injusto. Sua argumentação sugere que Deus havia, de certa forma, comprado a fidelidade de Jó, e por esta razão, não era justo que ele fosse indicado como referência do comportamento dos filhos de Deus na Terra. Uma espécie de tribunal parece estar montado agora. Satanás, de um lado, acusando o Senhor de ser injusto, como fizera antes de ser expulso com uma terça parte dos anjos dos Céu; Deus do outro, tendo Seu caráter sob suspeita. Os representantes dos filhos de Deus, reunidos ali por outra razão, agora são expectadores deste julgamento, e terão de tirar suas próprias conclusões, ao final do debate.
Enquanto isso, longe dali, em algum lugar na terra de Uz, Jó vive sua vida de maneira simples e devota. Tem uma esposa e dez filhos. Era dono de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas. Também tinha muitos servos. Na verdade, era o homem mais rico de toda aquela região. Jó não tem ideia do que está para acontecer. Imagino que se soubesse dos detalhes talvez teria sofrido um pouco menos, mesmo que fosse no aspecto emocional. Se pudesse ouvir os detalhes da conversa entre Deus e Satanás, ouviria o Eterno defini-lo como um homem íntegro e correto, temente a Deus e que se mantinha afastado do mal. Teria ouvido o próprio Deus dizer que não havia nenhum outro homem na terra que pudesse se comparar a Jó em sua devoção e fidelidade. Teria percebido que o Senhor o convocara para ser Sua testemunha de defesa; um argumento de Deus contra as acusações de Satanás.
Se tudo isso estivesse acontecendo agora, em algum lugar do Universo, teria Deus a mesma certeza em relação a mim? Poderia o Senhor dizer categoricamente as mesmas coisas a meu respeito? Estaria eu em condições de me apresentar como testemunha de defesa do Eterno? Outro dia ouvi uma pergunta semelhante a essas. Com a mesma intenção de provocar, de criar um desconforto e me fazer refletir sobre o tema, o palestrante perguntou: “Se você fosse acusado de ser um cristão, a promotoria teria provas suficientes para condená-lo?” Não sei você, mas eu vou passar o dia pensando na possibilidade de poder ouvir o Senhor dizendo: “Você reparou em meu servo Marcílio?”
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.