Sem Espetáculo

“Então os escribas e fariseus trouxeram à presença dele uma mulher surpreendida em adultério,…” João 8:3

Assentado como estava, o Mestre viu chegar uma comitiva composta de escribas e fariseus, que trazia consigo uma mulher que fora apanhada em flagrante adultério. A maneira como tudo acontecia deixou atônito o grupo que se assentara para ouvir. Os fariseus tinham um objetivo estabelecido. Desta vez encontrariam uma maneira de condenar Jesus.

Os fariseus, em particular, uma espécie de partido dentro do judaísmo, faziam muita questão de seguir não só os escritos do Antigo Testamento, mas também as tradições orais desenvolvidas depois do cativeiro babilônico. Eram muito aplicados na tentativa de guardar todas as 613 leis encontradas nos livros de Moisés, principalmente as que os tornassem cerimonialmente perfeitos. Essa predileção pelas leis os afastaram da graça de tal forma que passaram a considerar Jesus como um inimigo a ser destruído.

Enfurecidos como estavam, por conta do prestígio que Jesus alcançara entre o povo, e tomados por suas próprias convicções, chegaram fazendo duras e veementes acusações à mulher apanhada em adultério.

Cegos como estavam pelo ódio que alimentavam contra Jesus, não se preocuparam nem mesmo em serem menos fingidos e hipócritas. “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.”

Mestre?! Como assim? Será que estavam dispostos a aprender alguma coisa com aquele que ensina as multidões com a doçura de Suas palavras? Será que finalmente se renderiam à proposta apresentada por Aquele galileu, de movimentos discretos, gestos simples e contagiante empatia? Certamente não tinham nenhuma intenção de aprender absolutamente nada com aquele “filho de carpinteiro”, ao menos era o que pensavam.

Os fariseus representam, ainda hoje, um grupo de seres humanos que se destacam por sua habilidade em seguir “as regras” a qualquer custo. Gente que se acha melhor que todos os demais, cuja especialidade é apontar os erros alheios e se orgulhar de serem quase perfeitos. Não é difícil encontrá-los. Estão por toda parte. Estão, semana após semana, inclusive, assentados nos bancos das igrejas. Por vezes tenho a impressão de que se ocupam de servir a Deus como vigias de condomínios, ou seguranças de supermercado, acompanhando pelas telas do circuito interno de tv o movimento de todos que circulam pelos acessos e corredores, não para manter a ordem, mas para caçarem os suspeitos e surpreender os infratores, como se recebessem um crédito especial por cada pecador “desmascarado”.

Os fariseus orgulhavam-se por saberem muito mais que a grande maioria. Eram respeitados como autoridades religiosas e suas ordens quase nunca eram contrariadas. Naquela manhã imaginaram que dariam, finalmente, uma lição em Jesus. O galileu teria de reconhecer Suas limitações, pensaram eles, e aceitar sua autoridade e conhecimento diante da multidão. Tudo estava planejado de tal forma que não haveria fracasso desta vez. Se Ele condenasse a mulher a morte, seria condenado por um tribunal romano. Caso absolvesse a mulher, evitando o apedrejamento, seria humilhado diante do povo por desprezar a lei de Moisés.

Diante da cena, porém, sem dizer absolutamente nada, Jesus se dispõe a ensiná-los uma dura lição. Não havia necessidade de discussões sobre leis e vereditos. Não havia necessidade de espetáculos promovidos à partir da desgraça de um ser humano que fora apanhado no erro. Se era uma resposta que os fariseus queriam, então deveriam estar preparados para recebê-la, porque o Mestre, como eles mesmos O identificaram, estava ali para responder.

Como lhes pareceu que Jesus não dava a devida atenção ao caso, insistem veementemente na acusação. A resposta de Jesus é surpreendente: “Quem de vocês estiver sem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra nela”. Simples assim! Fiquem à vontade.

O quadro apresenta uma platéia, a multidão; um palco, o lugar onde está Jesus e a mulher, provavelmente caída, sem coragem para levantar a cabeça e olhar para Jesus; e um grupo preparado para promover e avaliar o espetáculo. Mas naquela manhã, não houve espetáculo algum. Não se viu o talento homilético de Jesus, defendendo a causa da mulher humilhada, mas também não se ouviu duras acusações dirigidas ao grupo de acusadores. Os que estavam ali testemunharam a cena em que Jesus se curva para escrever na areia e um a um, dos mais velhos aos mais jovens, aqueles que acusavam foram embora, por reconhecer que também necessitavam da graça, que naquele instante lhes era oferecida.

Já estive, algumas vezes, representado por esse grupo. Já olhei para meus irmãos, companheiros de jornada, como costumo chamá-los, e me considerei melhor e mais importante. Já me orgulhei de estar entre os que foram consultados para emitir opinião a respeito de alguém por causa de uma falha em seu comportamento. Meu Deus, já estive representado por este grupo! Por vezes me senti tentado a ser uma referência do que é bom, e me achando quase perfeito, ofendi uma porção de gente e perdi alguns amigos…!

Ao olhar a história desta semana, do ponto de vista dos fariseus, percebo que o Eterno me oferece, o tempo todo, uma oportunidade de mudança. Vejo Sua estratégia de alcance e Seu plano perfeito de resgate. Percebo que alarde e espetáculo não faz parte de Seu expediente de salvação, simplesmente porque não tem nenhum interesse em aumentar o meu constrangimento, mesmo quando minha atitude com quem falhou comigo tenha sido totalmente oposta. Diante de um Deus que se curva para me socorrer, ainda que esteja escrevendo na areia, devo reconhecer a ação da Graça. Devo reconhecer que a cruz que me esconde é a mesma que me expõe, não para me fazer envergonhado diante dos meus irmãos, mas para me tornar salvo, diante de Deus.

Max Lucado certa vez escreveu: “A Graça é um Deus que se inclina”. Creio que alguns dos fariseus se deram conta disso e se arrependeram. Sempre que me lembro dessa verdade, reconheço que fui alcançado por essa Graça, e agradeço!

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.