Voltemos à cena. Como dissemos, no quadro que se apresenta, temos uma platéia formada pela multidão; um palco, o lugar onde estão Jesus e a mulher, provavelmente caída, talvez até semi nua, sem coragem para levantar a cabeça e olhar para Jesus; e um grupo de fariseus preparado para promover um espetáculo, que Jesus tratou de frustrar totalmente. Mas naquela manhã, não se viu o talento homilético de Jesus, defendendo a causa da mulher humilhada, mas também não se ouviu duras acusações dirigidas ao grupo de acusadores.
Quando me vejo representado nesta cena pelo grupo de fariseus, testemunho um Deus que se curva para escrever na areia o que poderia dizer em alto e bom som. Se inclina para manter sob sigilo o que Ele mesmo poderia escancarar a todos os ouvintes, a exemplo do que faziam os fariseus àquela mulher.
Quando me vejo nesse quadro formado por uma imagem mental, reconheço que, sendo eu um fariseu, poderia ter voltado para casa de posse do perdão oferecido pela Graça. Como disse Max Lucado, “a graça é um Deus que se inclina”, e nesse caso, inclinou-se para chamar a atenção para si mesmo, tirando totalmente o foco da mulher. Não permitiu que a pecadora, ou o pecado, continuassem como o centro das atenções, mas também não dirigiu aos fariseus os holofotes daquela cena. Inclinou-se para perdoar e salvar.
Mas isso não deveria causar-nos nenhuma surpresa. Lucado nos lembra que já havia acontecido antes e aconteceria algumas vezes depois. Ao lermos a Sua história nos Evangelhos, vemos ali um Deus que inclinou-se para dormir em uma manjedoura, trabalhar como carpinteiro com José e descansar deitado num barco de pescador. Inclinou-se para abençoar os pequeninos; para levantar um filho recém ressuscitado e devolvê-lo à sua mãe. Ele se inclinou o suficiente para se tornar acessível ao tapeceiro, ao mercador, ao coletor de impostos e ao leproso. O suficiente para atender um pedido de Pedro enquanto afundava nas águas do Mar da Galiléia e para lavar os pés dos discípulos, horas antes da cruz. Deixou o Céu para, inclinado, se deixar ser cuspido, acoitado, ferido e crucificado. Definitivamente a Graça é um Deus que se inclina!
Surpresa a multidão assiste a saída silenciosa dos fariseus. Um a um vão deixando cair as pedras que já haviam tomado para executar fisicamente a pecadora. Se levariam a cabo a intenção de apedrejá-la para condenar Jesus, nunca saberemos, embora as possibilidades fossem enormes, mas naquela manhã, a participação daqueles homens, nas grandes lições que Jesus ensinaria ao povo, estava encerrada. Vieram para dar uma lição. Orgulhosos como eram, vieram para representar os que se acham justos, sem pecados, mas saíram surpreendidos pela Graça.
“Então Jesus se levantou de novo”, diz o texto, “e disse à mulher: ‘Onde estão os teus acusadores? Nenhum deles te condenou?’ ‘Não, Senhor’ , respondeu ela. E Jesus disse: ‘Eu também não a condeno. Vá e não peque mais’.”
Sensacional! Inesperada, e curiosamente, Jesus se levanta e passa a conversar com a mulher! Qual foi o tom de Sua voz? Qual foi a velocidade de Seus gestos? Que mensagem seríamos capazes de ler em Seus olhos? Quais foram as demais preocupações do Mestre? Teria Ele outros ítens na agenda do dia que o impedisse de investir um pouco mais de tempo naquela conversa? Será que Ele se preocupou em pedir a alguém que o ajudasse a cobri-la com um manto que não estivesse rasgado? Será que pediu a alguma outra senhora ali por perto, que a abraçasse e acompanhasse até em casa? Nossa! Quantas perguntas…
Pergunto do ponto de vista de quem está no grupo de pessoas representado por essa mulher. Nesse grupo estão aqueles que se apresentam diante do Mestre conscientes de que são pecadores e merecem receber a justiça de Deus. Sabem que erraram; sabem que não deviam ter feito o que fizeram e reconhecem que foram avisados da importância de evitar os caminhos percorridos. No momento em que se vêem na presença do Eterno, feridos, com as vestes rasgadas, sob o olhar curioso da multidão que assiste e sob a mira de dedos apontados para seus erros e fracassos, não têm coragem de levantar os olhos e encarar o rosto do Mestre. Nessa hora faz toda a diferença o tom da Sua voz, a velocidade de Seus gestos e a mensagem contida em Seu olhar. Faz toda diferença a manifestação do Seu cuidado, as prioridades da Sua agenda e Sua atenção aos detalhes da nossa vida.
Já estive muitas vezes nesse grupo. Me senti indigno, maltrapilho e ferido. Já estive sob a mira de acusações, algumas verdadeiras e outras falsas, e já me vi caído sem forças para levantar. Já olhei nos olhos de quem estava refletido no espelho e não me orgulhei do que vi, pelo contrário, senti vergonha de mim mesmo. Sempre que isso acontece, e reúno as forças que me restam, saindo em busca do perdão do Pai, faz toda diferença saber que as respostas às questões acima são sempre as melhores. Faz toda a diferença saber que Sua disposição de me ajudar e me perdoar é sempre maior que minhas limitações. É muito bom saber que Seu interesse naquilo que posso ainda produzir, sob a Sua orientação, é maior que Sua disposição de lembrar do meu passado de fracassos. Melhor ainda é saber de Sua intenção misericordiosa de simplesmente virar a página e me oferecer a oportunidade de um novo começo.
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.