Esta é mais uma daquelas histórias bem conhecidas, mas que têm a capacidade de nos ensinar grandes lições e/ou nos lembrar daquelas já aprendidas e sob risco de caírem no esquecimento. Não que tenhamos tomado o cuidado de não lembrar, mas as vezes ficam guardadas em um cantinho da memória e é sempre oportuno trazê-las à tona para realinharmos nossas ações e corrigirmos a rota de nossos procedimentos. Assim vamos ao registro bíblico da nossa história…
O título proposto para a primeira parte deste capítulo na versão bíblica que tenho em minhas mãos (ARA) é “Elias no Monte Horebe”, mas penso que poderia muito bem ter sido “Desafios de um profeta do Senhor”. Mas sem querer fazer qualquer alteração ao texto, anotei na minha bíblia um título diferente para esta parte da história. Imagino que “RETRATOS DE UM HERÓI” poderia ser um bom nome para o relato que encontramos entre os versos 1 e 18 de I Rs 19. Ainda que pareça estranho, pensei nesse título por perceber, de uns tempos para cá, uma necessidade cada vez maior na sociedade, com efeito ainda mais devastador sobre jovens e crianças, de fazer parecer que tudo está indo bem, que tudo vai dar certo e estamos, quase sempre, plenamente felizes.
Um exemplo do que estou dizendo está nas redes sociais. Estas plataformas digitais estão repletas de fotos e pequenos vídeos de uma multidão de pessoas aparentemente felizes, mas que se angustiam por não receberem, em um pequeno espaço de tempo, uma quantidade favorável de likes,curtidas e compartilhamentos. Por incrível que pareça, alguns chegam a se sentir não amados simplesmente porque suas fotos ainda não foram vistas, ou se vistas, não foram comentadas – e quando comentadas, alguém falou algo que não agradou…
Não é difícil encontrarmos pessoas que se dispõem a tirar dez, doze ou mais fotos, até que fique satisfeita com a imagem e finalmente publique o resultado em suas redes sociais. Não digo nada disso do ponto de vista de quem está simplesmente julgando, até porque eu mesmo já fiz, e penso que continuo fazendo, exatamente o mesmo. Falo da perspectiva de alguém (eu mesmo) que muitas vezes se vê mais preocupado com o que estão pensando a meu respeito, esquecendo de me concentrar naquilo que realmente interessa. Quantas vezes preferi estar mais comprometido em fazer aparecer o que tenho, seja por imagem, posses ou discursos, a mostrar quem realmente sou – meus valores, meus princípios, meus sonhos e propósitos.
Se fosse hoje, talvez Elias estivesse cedendo a tentação de estar preocupado com a repercussão dos últimos acontecimentos nas redes sociais. De repente todos estavam falando de seus feitos no Monte Carmelo e a maneira como ele, sob a orientação de Deus, desmascarara os profetas de Baal. Aquela tinha sido uma tarde incrível e o assunto estava agora no Trending Topics do Twitter. Fotos revelavam o sucesso da empreitada pelos mais diferentes ângulos e a cada publicação com a hashtag #profetaelias uma nova torrente de comentários surgia nas telas dos aparelhos ligados à grande rede…
Mas Elias nunca foi uma unanimidade em Israel. Por lá também havia aqueles que não gostavam dele. Descobriria muito cedo que os haters estão por toda parte e receberia da própria rainha a maior de todas as ameaças, afinal, ela estava muito irritada. Por alguma razão não subira ao Monte Carmelo para testemunhar os fatos em companhia de seu esposo, mas recebera dele mesmo, Acabe, um relatório dos acontecimentos. Sua reação foi imediata: “Façam-me os deuses como lhes aprouver se amanhã a estas horas não fizer eu à vida de Elias o que ele fez a cada um dos profetas de Baal”.
Nesse instante nosso herói fraqueja. Por um momento sua determinação parece desaparecer por completo e com ela a sua coragem. Ele enfrentara destemidamente o rei Acabe quando foi enviado para anunciar o período de seca três anos antes. Desafiara os 450 profetas de Baal no Monte Carmelo, convidando o povo a assistir um teste que determinaria quem verdadeiramente deveria ser adorado. Mas agora sente o golpe da ameaça da rainha e se mostra tão humano quanto qualquer um de nós. Elias mostra aqui que coragem não é a ausência do medo, mas o enfrentamento daquela sensação que insiste em nos convencer das impossibilidades. “Temendo, pois, Elias, levantou-se, e, para salvar a sua vida, se foi…” I Rs 19:3.
O relato de I Reis 19 não me parece, portanto, a selfie mais apropriada do profeta Elias. Ela não estaria entre as melhores imagens que poderíamos formular a seu respeito ouvindo sua história. Imagino até que ele não estivesse disposto a fazer um registro fotográfico de sua fuga, até porque ele não pretendia ser encontrado por ninguém. Mas ainda que o momento não seja tão bom assim, creio que cabe aqui uma reflexão importante: “Nem todos os dias são dias difíceis, mas também há aqueles que não são nada fáceis!”
Nosso herói está abatido, talvez até desapontado. Sua argumentação, ao falar com Deus, me sugere um certo desconforto por conta de expectativas não atendidas. Numa saída mais adequada à sua “posição” de profeta, e herói, talvez devesse estar buscando um pouco de solitude, afinal, mesmo quando provocada, por alguém ou alguma circunstância, a solitude propõe um estado de reflexão e realinhamento dos pensamentos em busca de solução e paz. Elias, ao contrário, enfrenta um momento de solidão. Ele tenta se afastar de tudo e de todos para estar só – mas ele mesmo não está bem. Sentado debaixo de um zimbro, “pediu para si a morte e disse: Basta; toma agora a minha alma, pois não sou melhor do que meus pais”. I Reis 19:4
Fosse aquele, um momento de solitude, talvez pudéssemos encontrar o profeta refletindo os resultados obtidos nos últimos dias, avaliando as possibilidades e tentando entender as intenções de Deus diante dos últimos acontecimentos. Quem sabe pudesse estar pensando em quais seriam os próximos passos para que a vontade de Deus fosse apresentada com mais clareza ainda, não apenas para o povo mas para ele mesmo, inclusive. No entanto, o profeta que dias antes estava no auge de seu ministério, podendo postar, em suas redes sociais, suas maiores conquistas, agora está assentado debaixo de uma árvore, pensando que a morte fosse a melhor solução para aliviá-lo daquele sentimento ruim que o fez fugir.
Não tenho a menor ideia de como tem sido esses dias pra você, nem mesmo o que te motivou a ler esse texto. Eu sei como tem sido os meus dias, os meus desafios e como tenho de lidar com os meus medos. Sei da minha luta ao ser tentado a pensar que minha vida não faz o menor sentido e que estou só, mesmo quando estou rodeado de gente que me ama e me quer muito bem. Sei das vezes em que me peguei perguntando, a mim mesmo, por que será que a vida não flui com mais tranquilidade, por que temos que nos preocupar com tanta coisa e por que muitos planos e sonhos não se tornam realidade na velocidade que esperamos? De repente, nós mesmos que somos vistos por muitos em situações de grande euforia e felicidade, nos vemos no vale, lá embaixo, sentados debaixo de uma árvore, sem poder enxergar um palmo adiante do nosso nariz.
A história de Elias, pra mim, é especial porque ela não termina com o profeta nessa situação. Ele não será deixado ali sozinho, pensando apenas em morrer, como se ninguém mais no Universo, se interessasse por ele ou por sua vida. O verso 5 nos diz que “um anjo o tocou”! Isso mesmo. Enquanto dormia em seu estado depressivo, o profeta foi tocado por um mensageiro do céu que veio lembrá-lo que ele estava sob os cuidados de Deus e que o Eterno não o deixaria sozinho, qualquer que fosse a situação. Veio para torná-lo mais uma vez consciente de que Deus sempre tomará a iniciativa e sairá em socorro de seus filhos, para acudi-los nas horas mais difíceis. Ainda assim, talvez sob efeito, ainda, daquele sentimento de solidão e achando que não há ninguém para dividir com ele a dor que ele está sentindo, Elias, o homem de Deus, volta a deitar e dormir.
Mas Deus tem um plano melhor. Aliás, Deus sempre terá um plano muito melhor do que o melhor de nossos planos. Ele sempre encontrará um jeito de atender as nossas necessidades, ainda que as respostas não sejam exatamente aquelas que buscamos. Ele nunca será surpreendido ou terá de pensar num plano B, em cima da hora, para nos socorrer. Deus não foi tomado de surpresa com a oração de Elias dizendo que não aguentava mais, muito menos com sua fuga. Pelo contrário, no que se refere também à nossa vida, será sempre de Deus a iniciativa de promover a mudança da nossa realidade. Ele pode e quer promover a nossa felicidade. Ele pode e quer nos fazer felizes.
Quando penso nesse grande herói me lembro sempre desse momento difícil pelo qual ele passou. Quando penso em Elias, lembro sempre do modo específico como Deus o tratou. Quando me lembro do momento em que ele fraquejou, também me lembro da maneira como Deus o chamou de volta à realidade de Seu plano e da possibilidade de se reerguer, mesmo quando tudo parece conspirar contra a nossa felicidade. Quando penso nos desafios que todos temos de enfrentar na realidade do século 21, me lembro que Deus nunca foi, não é e nunca será surpreendido, e estará sempre pronto a atender aqueles que aceitarem a Sua ajuda – afinal, será sempre dEle a iniciativa da solução. Acredite!

Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.