Não foi sem razão que C. S. Lewis declarou ser o salmo 19 “o maior de todos os poemas do Saltério e um dos melhores poemas líricos do mundo”. Talvez tivéssemos até que dedicar ainda mais tempo para refletir sobre seu encantador conteúdo. Imagino que ouvi-lo sendo cantado, dentro do contexto da cultura hebraica, também deve ter proporcionado uma experiência incrível ao adorador sincero e atento aos detalhes deste grandioso poema.
Enquanto o líamos, esta semana, fomos convidados a investir tempo explorando cada detalhe de tudo que está a nossa volta, mesmo sabendo que uma vida inteira não seria suficiente para esgotarmos nossa curiosidade. As maravilhas do Senhor, criadas para comunicar Seu amor e poder, e proclamar Sua glória e majestade, estão em toda parte, e cada nova descoberta deveria nos levar a entender que não há como negar Sua existência. Uma busca sincera e consciente, além de nos oferecer um alto nível de prazer e satisfação, certamente nos aproximaria ainda mais do Criador. Como bem observamos, nosso problema, no entanto, é que temos considerado comuns os encantadores espetáculos planejados por Deus para declarar-Se a nós. Em outros momentos, assumimos tantos compromissos que neutralizamos as possibilidades de acompanhar tais declarações diárias de amor.
Na segunda parte do salmo, vemos a clara intenção do salmista em ampliar esse conceito de revelação e a partir do verso 7, de repente, nos levar a reconhecer um Deus que não só se revela de modo geral, mas que também decidiu revelar-se de forma especial e sobrenatural, através de Sua Lei. A aparente desconexão entre a primeira e a segunda parte é totalmente descartada ao olhar mais paciente e interessado. A grande verdade, pelo que se percebe, é que a ligação entre os temas é tão certa para o autor que ele nem mesmo se preocupa em estabelecer a ponte que os mais apressados, e menos interessados, procuram encontrar. Se “os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de Suas mãos”, “a lei do Senhor é perfeita” e revela Seu amor e caráter a Seus filhos. Ela, a exemplo do calor e da luz do sol, alcança a tudo e a todos, sem distinção, oferecendo restauração, sabedoria, alegria, pureza, luz, guia, justiça, admoestação e esperança.
O verso 10, por sua vez, também destacado por Lewis, nos oferece uma expressão no mínimo intrigante. Ao falar da Lei, do testemunho, dos preceitos, do mandamento, do temor e dos juízos de Deus, buscando enquadrar nessa lista a vontade soberana do Eterno, o salmista curiosamente declara que “são mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o mel, do que as gotas do favo” (v.10). Normalmente diríamos o mesmo do perdão, da graça e da misericórdia do Senhor, mas o autor deste belo salmo refere-se, aqui, especificamente aos estatutos, às ordenanças do Senhor, e como vimos no verso 8, para Davi, “são retos e alegram o coração”.
Talvez o salmista estivesse tentando descrever a alegria de poder descansar com a consciência em paz, afinal, não há nada mais gratificante que o senso de dever cumprido. Quem sabe a sensação de ter sido orientado e acompanhado por Deus durante o dia fizesse com que Davi reconhecesse a beleza de poder fazer o bem com a motivação mais adequada, e poder ao final daquele dia, perceber que cumprira os preceitos estabelecidos por Deus. Talvez a expressão de alegria e gratidão de alguém que fora atendido, amparado, consolado ou protegido por ele em algum momento, oferecesse um sentimento real de alegria pelo dever cumprido.
Por outro lado, talvez estivesse considerando o culto de seus vizinhos pagãos e seus rituais religiosos. Quem sabe estivesse fazendo uma rápida comparação entre as exigências de um Deus que sempre tomava a iniciativa para atender as necessidades de Seu povo e aquelas dos deuses que exigiam, inclusive, a morte de crianças lançadas ao fogo num culto a Moloque, ou a sodomia e prostituição religiosa de outras nações. Pensar na Lei do Senhor, como fora espetacularmente apresentada e entregue por ocasião da passagem do povo de Israel pelo Sinai, era lembrar que essa mesma Lei havia sido promulgada num contexto de liberdade e libertação. Por entender que é desejo de Deus apresentar-se de forma especial e sobrenatural a Seu povo, por meio de Sua Lei, o salmista nos convida a olhar para esses estatutos de forma humilde e positiva, contrariando totalmente o argumento de quem insiste em acreditar que sua intenção é, prioritariamente, opressora, limitadora e escravizante.
Como quem admite não poder sobreviver sem o benefício da ação do sol, que não permite que nada escape ao seu calor, mesmo nos dias mais frios, ou até durante a noite, o salmista reconhece a benção de ter a própria vida orientada pelos mandamentos do Eterno. Conclui haver na Lei segurança suficiente para alimentar a esperança de dias melhores e um futuro feliz. Ao caminhar para o fechamento do poema, o autor eleva a Deus uma prece, que pode muito bem ser a minha, e a sua prece, se assim o desejarmos. Olhando para o quadro da revelação que esta diante dele (a Natureza e a Lei), declara: “Quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que desconheço! Também guarda o teu servo dos pecados intencionais; que eles não me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande transgressão. Que as palavras da minha boca e a meditação do meu coração sejam agradáveis a ti, Senhor, minha Rocha e meu Resgatador!” (v. 12-14).
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.