Quem enviarei?

“Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim.”     Isaías 6:8

O contexto do capítulo 6 de Isaías nos leva, muito provavelmente, ao ano 740/739 a.C. No ano que Uzias encerrou o seu reinado, o Senhor decidiu conceder ao jovem Isaías uma visão especial, como confirmação de seu ministério profético. O cenário político envolve ansiedade e preocupação, já que a Assíria, agora, não precisa mais se preocupar com a resistência de Uzias, que havia liderado, inclusive, os países da região mediterrânea da Ásia, contra os ataques de Tiglate-Pileser. Por esse tempo, o exército assírio parecia invencível e era apenas uma questão de tempo até que chegasse a Judá e invadisse Jerusalém.

Então, como ele mesmo relata, Isaías teve uma visão em que lhe foi apresentado “o Senhor, assentado sobre um alto e sublime trono” (Is 6:1). Esta manifestação da glória de Deus ocorreu enquanto o profeta fazia uma visita às instalações do templo. Certamente o Senhor pretendia oferecer a Isaías uma visão mais ampla do que aquela que estava diante dele, incluindo os aspectos políticos. Se Tiglate-Pileser era um rei muito temido, com um exército poderoso sob seu comando, Deus tratou de deixar claro ao profeta que Ele mesmo estava muito acima de qualquer poderio humano, e que as hostes celestiais estavam ao Seu dispor.

Interessante lembrar que Isaías não foi o único a ser agraciado com tamanha benção. “Moisés teve uma visão semelhante de Deus (Êx 24:10). Mais de um século antes da época de Isaías, o profeta Micaías viu o Senhor sentado em sobre Seu trono, e ao Seu lado os exércitos do Céu (1Rs 22:19). NA primeira parte do reinado de Uzias, Amós também viu o Senhor em pé ao lado do altar, no átrio do templo (Am 9:1). Mais tarde, durante o cativeiro babilônico, tanto Daniel (Dn 7:9) quanto Ezequiel (Ez 1:1; 10:1-5) tiveram visões do Senhor em Seu trono, assim como João na ilha de Patmos (Ap 4:1-6)”.1 Tais manifestações de Deus visavam garantir tranquilidade ao Seu povo. Antes de conferir qualquer prestígio àqueles a quem revelava Seu poder e soberania através dessas visões, o Criador buscava demonstrar Seu cuidado e Sua disposição de proteger Seu povo dos inimigos que estavam à sua volta. Tinha a clara intenção de estimular em Seus filhos os sentimentos de confiança, coragem e esperança, afinal, se o povo assim permitisse, continuava disposto, Ele mesmo, a lutar as batalhas de Israel e Judá.

Ao jovem profeta é dado o privilégio de viver uma experiência sensorial. Ele não apenas vê a majestade do trono de Deus, como também pode ouvir o que dizem os anjos em Sua augusta presença pois “diziam em alta voz uns aos outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia de sua glória! Suas vozes sacudiam o templo até os alicerces, e todo o edifício estava cheio de fumaça” (Is 6:3-4). Que privilégio extraordinário!

Absorto como estava diante daquele quadro, Isaías é surpreendido, mais uma vez, pelo Senhor. Depois de ter seus lábios purificados, com uma brasa trazida do altar, ele que ficara com medo de ser destruído pela glória da majestade de Deus, agora ouve-O dizer algo no mínimo curioso. Como quem fala consigo mesmo, ou talvez se dirigindo aos serafins ali presentes, o Senhor diz: “Quem enviarei como mensageiro a este povo? Quem irá por nós?” (Is 6:8). Mais uma vez, como já vimos desde o início desta série, o Eterno não está interessado em respostas óbvias, antes sim, pretende provocar o ouvinte – incomodá-lo a ponto de promover uma mudança de comportamento. O criador, mais uma vez, pretende gerar um momento de reflexão e decisão autênticas, afinal, também neste caso, Ele não precisa de agentes humanos para fazer cumprir Seu plano; Ele não está limitado à disposição humana para cumprir Seus propósitos, mas em Sua infinita misericórdia, permite-nos participar ativamente da expansão do Reino e na transformação de vidas. Não estaria o Senhor, ainda hoje, buscando encontrar pessoas dispostas a ir, em Seu nome, em busca de outros tantos filhos que se afastaram da casa do Pai? O que nos impede de reconhecer que algo semelhante pode estar ocorrendo exatamente agora? Será que Ele não está tentando se mostrar para mim nesse mesmo instante?

Lembrei-me de uma história que ouvi a muito tempo. Nela um menino ouviu alguns homens falando acerca de Deus. Quando chegou em casa tratou logo de perguntar ao pai se alguém podia ver a Deus. O pai respondeu rudemente: – Claro que não! A resposta, dada desse modo, entristeceu o menino. Decidiu, então, fazer uma caminhada na mata e assentou-se junto a um córrego que por ali passava. Absorto em seus pensamentos, viu uns passarinhos por ali, fazendo seus ninhos. Ergueu os olhos para o céu, através dos ramos das árvores, ansioso por ver a Deus. Nada!

Um dia o ministro da igreja jantou em sua casa e ele aproveitou a ocasião para perguntar-lhe se alguém podia ver a Deus. Com autoridade eclesiástica o ministro lhe disse que ninguém pode ver a Deus e viver, apresentando, para isso, o texto bíblico, inclusive! Esta foi para o menino uma revelação tão esmagadora que ele saiu para o celeiro e chorou. Algum tempo depois, no entanto, encontrou um velho pescador, do qual se tomou grande amigo. O pai, quando soube do novo amigo do filho, cuidou de saber de quem se tratava:

– É ele um bom homem?

– Eu gosto dele – disse o menino. – Ele não é de falar muito mas vou lhe dizer como ele procede. Na tarde passada, quando estávamos navegando rio abaixo e o sol se punha através das árvores, entre lindas nuvens, eu vi lágrimas em seus olhos, e…

– Está bem, está bem! Creio que você está em boas mãos.

Logo na tarde seguinte, terminada a pescaria, o menino notou que de novo o velho pescador tinha os olhos úmidos ao observar o pôr-do-sol. O pequeno tocou timidamente o braço do velho, como quem tenta entender o que está se passando, sem querer incomodar. O velho nem sequer moveu a cabeça, ou pareceu se importar.

– Eu nunca faria a qualquer outra pessoa a pergunta que vou fazer ao senhor – disse o menino com os lábios trêmulos, após reunir toda coragem de que dispunha. Mesmo assim seu novo amigo não se moveu; tinha os olhos fitos no sol poente, como que encantado pelo espetáculo à sua frente.

– O senhor pode ver a Deus? – quis saber o menino. Ainda não houve resposta. O menino então puxou o velho pela manga. – Por favor, diga-me! Pode-se ver a Deus? O menino esperou, sem respirar. Afinal o velho voltou-se para o garoto com um amável rosto manchado de lágrimas e disse: – Filho, não vejo coisa alguma senão Ele!

Creio, sinceramente, que Deus continua tentando apresentar-se a mim a todo momento. Manifesta Sua majestade nos episódios mais simples do meu cotidiano. Demonstra Seu poder e cuidado o tempo todo, na expectativa de me garantir a segurança que tanto anseio. Talvez, no meu caso, o problema esteja no fato de imaginar que estas manifestações só valem quando acompanhadas de eventos espetaculares, mas isso não é verdade. Ele pode muito bem estar tentando falar comigo exatamente agora, enquanto você lê as últimas linhas deste devocional, e se eu decidir permanecer em silêncio, poderei não apenas vê-Lo, mas de alguma forma ouvi-lo dizendo: “Quem enviarei como mensageiro a este povo? Quem irá por nós?” Oro para que minha resposta, e a sua, sejam iguais a de Isaías: “Aqui estou; envia-me”.

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.