Quem é você
Ele se dirigiu ao pai e disse: “Meu pai”. Respondeu ele: “Sim, meu filho. Quem é você? “
Gênesis 27:18
Não sei para você, mas para mim tem sido muito desconfortante pensar nestas questões apresentadas até aqui. De verdade! Quanto mais me distancio da obviedade das respostas, mais incomodado eu fico, por pensar onde é que Deus quer chegar com estas perguntas. Estas preocupações se tornam ainda maiores quando passo a considerar o fato de que respostas automáticas podem gerar ações impensadas e de consequências desastrosas. A pergunta de hoje, ainda que não tenha sido feita diretamente por Deus, como as anteriores, ao que tudo indica, só vai fazer aumentar essa sensação. Primeiro vamos nos lembrar do assunto que movimenta o contexto desta questão.
Esaú e Jacó são irmãos gêmeos, gerados em resposta às orações de Isaque, por causa da esterilidade de Rebeca. Pelo visto, já disputavam cada um o seu espaço desde o ventre materno, a ponto de gerar certa preocupação à mãe. Como parte do plano de antecipar o futuro dos meninos, tranquilizar o coração apreensivo da mãe e ajudar na compreensão da natureza e personalidade dos bebês, um anjo foi enviado para falar com Rebeca. Mais tarde, edomitas e israelitas, nações descendentes destes dois filhos de Isaque, dariam continuidade às disputas iniciadas no ventre de Rebeca, e Israel prevaleceria na grande maioria das batalhas, algo que também foi predito pelo anjo do Senhor. Ligado a tudo isso, estava o fato de ser muito incomum que o mais velho se tornasse “servo” do mais novo, exatamente porque o primogênito recebia, do pai, a benção da primogenitura.
Sob a legislação mosaica, os privilégios do primogênito envolviam a sucessão à autoridade oficial do pai, o dobro da herança destinada a cada filho, na divisão da propriedade e o privilégio e de se tornar o sacerdote da família, após a morte do pai. A longo prazo, havia muito mais envolvido do que apenas dinheiro ou responsabilidades religiosas; dos primogênitos da casa de Abraão nasceria o Messias prometido. Esaú, no entanto, parece nunca ter dado valor a nada disso, até que se viu enganado pelo irmão.
Quando estava perto de morrer, Isaque chama seu filho mais velho na intenção de abençoá-lo, mesmo sabendo que essa decisão iria na direção contrária àquela anunciada por Deus antes do nascimento dos meninos. Sua preferência por Esaú o levou a cometer um erro muito grave nessa hora tão importante. Como já não enxergava, a princípio não percebeu que não era exatamente Esaú que viera com o prato de comida para lhe oferecer. Mas algo estava errado. “Jacó aproximou-se do seu pai Isaque, que o apalpou e disse: “A voz é de Jacó, mas os braços são de Esaú” (Gn 27:22). O exame aqui descrito sucede à Grande Pergunta de hoje: “Meu pai”. Respondeu ele: “Sim, meu filho. Quem é você?” (Gn 27:18). A voz é de Jacó, mas as mãos são de Esaú. O jeito de me tratar é de um, mas o cheiro das roupas é do outro. Jacó, naquele instante, instruído por sua mãe, tentava a todo custo enganar seu pai. Isaque, por sua vez, cego como estava, se deixou levar pelas impressões de ser aquele o filho que ele amava, e mesmo contrariado por sua audição, preferiu levar adiante o plano de abençoar Esaú. Foi facilmente enganado.
Enquanto pensava, mais uma vez, nesta questão, fui lembrando de quantas vezes agi como Jacó, tentando enganar um Deus, que ao contrário de Isaque, não está cego. Me dei conta de tantas ocasiões em que me fiz parecer alguém que na verdade não era, apenas para receber os favores do Céu. Lembrei de algumas vezes em que insisti em dizer uma coisa e fazer outra totalmente diferente. Lembrei do meu comportamento hipócrita, “vendendo”, a quem me acompanha, uma imagem bem diferente daquela que representa quem realmente sou. É interessante pensar na capacidade humana de tentar aliviar sua consciência através de comportamentos aparentemente aprovados e religiosamente prescritos e recomendados. Não é, e penso que nunca foi, tão difícil assim, viver uma vida religiosa de fingimento e enganação, buscando a aprovação de nossos pares e o favor de Deus. Aliás, penso ser mais fácil agir dessa forma que admitir a verdade que nos assombra cada vez que olhamos no espelho e nos deparamos com a realidade nua e crua do nosso comportamento dissimulado e contrário ao plano do Eterno.
“Nós, hipócritas”, escreveu certa vez Brennan Manning, “ocultamos e disfarçamos nossos verdadeiros sentimentos para conseguir o que queremos. Isso torna impossível a transparência emocional. Hipócritas são levados por um desejo compulsivo de parecer perfeitos. Esperamos que todos nos admirem e ninguém nos conheça de verdade”. Na tentativa de receber uma benção que imagino ser minha por direito, trato meus irmãos, outros filhos de Deus, com astúcia e oportunismo, e depois me apresento ao Criador como se ele fosse cego, e não enxergasse a verdade do meu coração. Talvez a pergunta de hoje tenha doído mais do que todas as outras, afinal, o que o Eterno pretende saber com ela é quem eu realmente sou. “Quem é você?”, insiste a voz que fala ao meu ouvido nesse instante. “O discurso é de um, mas o procedimento é de outro. O que está acontecendo aqui?”
Vou seguir aqui, lutando com a minha consciência, buscando encontrar as respostas que realmente interessam a Deus. Preciso lembrar que respostas automáticas podem gerar ações impensadas e de consequências desastrosas. Por outro lado, simplesmente ceder à minha natureza humana, deixando de estar sob a orientação do Espírito, pode me levar a planejar respostas tão elaboradas e mentirosas quanto as de Jacó, mas ao contrário de Isaque, embora a pergunta seja exatamente a mesma, Deus não está cego. Ele insiste perguntando: “Quem é você?”
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.