Que te darei?
” Então, Labão lhe perguntou: Que te darei? Respondeu Jacó: Nada me darás; tornarei a apascentar e a guardar o teu rebanho, se me fizeres isto: Passarei hoje por todo o teu rebanho, separando dele os salpicados e malhados, e todos os negros entre os cordeiros, e o que é malhado e salpicado entre as cabras; será isto o meu salário.” Gênesis 30:31
Algum tempo depois de enganar seu pai, e sob a ameaça deseu irmão, Jacó teve que fugir para bem longe. Por sugestão de seus pais, ele se dirigiu para Padã-Arã, à casa de Betuel, seu avô. Esaú prometera a si mesmo que tiraria a vida de Jacó tão logo o pai morresse. Ainda que Deus estivesse disposto a manter Sua promessa, não podia permitir que os atos impensados de Rebeca e Jacó estivessem livres de consequências. Jacó teve que deixar sua casa, sua mãe e seu velho pai para trás e seguir rumo ao desconhecido. No caminho, como sinal de Seu cuidado, Deus revela-se em sonho a Jacó, prometendo-lhe uma descendência incontável como a areia do mar e a terra onde ele estava como habitação. “Estou com você e cuidarei de você, aonde quer que vá; e eu o trarei de volta a esta terra. Não o deixarei enquanto não fizer o que lhe prometi” (Gn 28:15).
Os dias, e anos, que se sucederam foram extremamente desafiadores. Apaixonou-se por Raquel, foi enganado pelo tio, casou-se contra vontade, com Lia; trabalhou mais sete anos pelo direito de realizar um e, finalmente, quatorze anos depois, pode se casar com Raquel, o grande amor de sua vida. Ao ser enganado pelo tio deve ter se lembrado do mal que fizera a seu velho pai. Por vezes temos a impressão de que a decisão de pedir perdão a Deus por falhas cometidas vai, automaticamente, nos livrar das consequências envolvidas naquele ato equivocado. Felizmente as coisas não se processam desta forma. Se Deus tratasse exatamente assim os nossos erros, penso que nos tornaríamos ainda mais irresponsáveis em nossas ações; bastaria um pedido de perdão, e acredito, inclusive, na sinceridade do pedido e da declaração de arrependimento, e tudo estaria resolvido – sem consequências, sem efeitos colaterais; sem prejuízo algum para ninguém…! Sinceramente não sei se isso nos faria bem!
A sequência da história de Jacó revela que Deus seguiu abençoando o patriarca, ainda que as coisas não estivessem, necessariamente, lhe favorecendo por completo. Assim como faria com José, seu filho, mais tarde, na casa de Potifar, Deus abençoava Labão com o trabalho de Jacó. Labão, por sua vez, tinha plena consciência deste fato, tanto é, que pediu para que Jacó continuasse por ali, quando ele lhe apresentou o plano de voltar para a casa de seus pais. “Se mereço sua consideração, peço-lhe que fique. Por meio de adivinhação descobri que o Senhor me abençoou por sua causa” (Gn 30:27). Decidiu, então, depois de muitos anos de trabalho, oferecer um salário a Jacó; e os detalhes da conversa revelam alguns aspectos muito importantes. “Você sabe quanto trabalhei para você e como os seus rebanhos cresceram sob os meus cuidados. O pouco que você possuía antes da minha chegada aumentou muito, pois o Senhor o abençoou depois que vim para cá. Contudo, quando farei algo em favor da minha própria família?” (Gn 30: 29-30).
Jacó cumpria fielmente seus compromissos profissionais. Sua dedicação se transformara em benção para seu sogro. Tinha consciência de ter, ele mesmo, aceito o trato estabelecido para o pagamento do dote das esposas, com quem ele se casou. Seu pedido, no entanto, ao que tudo indica, não se baseia numa declaração de desagrado, senão na preocupação com o futuro da sua família. Considerando que chegara em Harã como um fugitivo, até aquele momento não tinha absolutamente nada, a não ser sua família. Seu pedido é justo e compreensível. Sua preocupação deve ser minha preocupação. Baseava-se numa promessa de Deus, e ele seguia acreditando que ela se cumpriria a seu tempo; talvez esse tempo fosse exatamente aquele. O Eterno cuidara dos detalhes até aquele momento; Jacó estava certo de que se permanecesse ali, ou se tomasse sua família e fosse para outro lugar, Deus o abençoaria de qualquer forma – Seu poder não estaria limitado às posses de Labão para cumprir a promessa feita a Jacó. Então, “Labão perguntou a Jacó: Quanto você quer que eu lhe dê?” (Gn 30:31)
De repente Labão passa a acreditar que o sucesso de Jacó depende de sua benevolência, ou misericórdia. Parece assumir a postura de quem tem um bom coração e vai fazer uma obra de caridade, contudo, não estava disposto a perder um homem tão valioso. Seguindo suas más intenções, buscou um caminho estratégico para manter Jacó por mais tempo cuidando de seus rebanhos. A resposta de Jacó é a mais intrigante destas todas que consideramos nestes últimos devocionais: “Não precisa me dar nada” (Gn 30:31). Não quero nada que seja seu!
A maneira como Jacó responde seu sogro mal intencionado parece fazer ecoar a resposta de seu avô Abraão, quando Bera lhe ofereceu os bens que haviam sido roubados de Sodoma, na guerra contra Quedorlaomer e os outros reis. “De mãos levantadas ao Senhor, Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra, juro que não aceitarei nada do que lhe pertence, nem mesmo um cordão ou uma correia de sandália, para que você jamais venha a dizer: ‘Eu enriqueci Abrão’. Nada aceitarei, a não ser o que os meus servos comeram e a porção pertencente a Aner, Escol e Manre, os quais me acompanharam. Que eles recebam a sua porção” (Gn 14: 22-24).
A grande pergunta de hoje parte do coração de alguém que tinha mal intencionado, mas a resposta vem da boca de quem estava aprendendo a confiar em Deus, mesmo diante de suas dificuldades. A preocupação de Jacó com o bem estar de sua família foi estimulada pelo mesmo Deus que deseja colaborar com a nossa segurança e felicidade. Foi Ele que colocou no coração do patriarca o desejo de ver seus filhos crescendo num ambiente melhor do que aquele, em que a enganação e a mentira estavam por todos os lados. A prova disso é o comportamento de Labão, que mesmo depois de aceitar a proposta de Jacó, sob a influências de seus filhos, mudou o trato dez vezes, não querendo aceitar que era o próprio Deus que estava operando em favor do seu genro.
Quando, em resposta a seu sogro, Jacó declara não querer nada, quero crer que não estivesse sendo arrogante ou orgulhoso, estava apenas exercitando sua completa dependência de Deus. Talvez tivesse ouvido as histórias de Abraão e a maneira como Deus o abençoara depois de ter saído de Ur. Quem sabe o relato da batalha dos cinco reis contra quatro, e o sequestro de Ló não tenha sido uma dessas histórias. Talvez Jacó estivesse dizendo a Labão, e a mim, que bastaria continuar confiando no Senhor, e Ele cuidaria dos detalhes. Talvez, lembrando do seu avô, ele mesmo estivesse tentando dizer: “juro que não aceitarei nada do que lhe pertence, nem mesmo um cordão ou uma correia de sandália, para que você jamais venha a dizer: ‘Eu enriqueci Jacó’”.
O Deus de Abraão, Isaque e Jacó, continua o mesmo. Ele quer continuar sendo a nossa melhor resposta. Ele quer continuar cuidando dos detalhes. José, filho de Jacó, vendido como escravo para um oficial egípcio, ao dar o nome de um de seus filhos lembrou: “Deus me fez próspero na terra da minha servidão!” – isso é sensacional! Se Deus não muda, Suas promessas são para hoje também. Talvez não represente riqueza e grande prosperidade; talvez o cumprimento da promessa não venha em forma de grandes fortunas; mas Ele continua disposto a nos abençoar, e sinceramente, reconheço que tenho recebido muito mais do que mereço.
Quanto você quer que eu lhe dê? – pode perguntar alguém que acredita ser o único capaz de promover nossa felicidade – Não precisa me dar nada! – poderá ser minha resposta – afinal, o que realmente pode me fazer feliz e realizado nem sempre depende de posses ou dinheiro, mas nunca serei capaz de viver plenamente feliz sem a benção de Deus.
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.