Por que escondes o teu rosto?

Por que escondes o rosto e me tens por teu inimigo?         Jó 13:24

Os dias do nosso amigo Jó estão ficando ainda mais difíceis. Perdeu os filhos num trágico incidente e seus bens foram todos saqueados por ladrões da região. Como se não bastasse, sua companheira decide fazer-lhe uma sugestão nada razoável. Quando chegaram os amigos a esperança de receber algum consolo durou apenas uma semana, tempo este em que permaneceram calados. Quando finalmente resolveram falar, fizeram duras acusações ao patriarca e insinuaram a possibilidade de haver algum pecado que devesse ser confessado para aplacar a ira de Deus.

Os judeus, mais tarde, seguiram por essa mesma linha de raciocínio, acreditando que Deus punia o pecado nesta vida. Para eles, toda enfermidade era considerada como um castigo por maus procedimentos cometidos pela pessoa que sofria, ou até mesmo por seus pais. É claro que precisamos considerar o sofrimento como resultado de escolhas ruins que fazemos, mas essa ideia tinha sido por demais pervertida. Na história de Jó, no entanto, fica evidente que Satanás é o autor do pecado e de todas as suas consequências, e sua estratégia sempre foi levar os homens a considerarem a doença, e a morte, como procedentes de Deus – como castigos arbitrariamente infligidos por causa do pecado. A intenção do Inimigo sempre foi criar uma imagem equivocada de Deus, no coração do ser humano, e distorcer a imagem que o ser humano tem de si mesmo, fazendo-o pensar que não é digno de apresentar-se diante de Deus para pedir ajuda.

Jó reage como o ser humano deveria reagir diante de uma situação como esta. Rebate os argumentos de seus amigos com a lembrança de ter feito o possível para permanecer fiel a Deus, sem, contudo, ser arrogante ou orgulhoso. Ainda que tenha amaldiçoado o dia em que nasceu, e pedido a Deus por sua morte, o patriarca segue confiante de que há algo que foge de seu conhecimento quanto as razões de seu sofrimento, e decide falar francamente com o Criador. “Quem dera que se cumprisse o meu pedido, e que Deus me concedesse o que desejo! Que fosse do agrado de Deus esmagar-me, que soltasse a sua mão e acabasse comigo! Isto ainda seria a minha consolação, e eu saltaria de contente na minha dor, que é implacável; porque não tenho negado as palavras do Santo” (Jó 6:8-10). Suas palavras denotam sinceridade e cansaço no enfrentamento daquela situação, mesmo assim, deixa claro que está a serviço do Altíssimo e cabe somente a Ele o poder de decidir o que fazer de sua vida.

Creio que entre as experiências mais difíceis de serem administradas estão aquelas que envolvem orações não respondidas. Momentos como estes vividos por Jó, em que oramos desesperadamente por não suportar a intensidade da dor ou o peso da angústia. Reconheço não ser nada fácil orar insistentemente por um milagre que aparentemente não virá, ou não veio. É horrível a sensação de receber uma resposta negativa para um pedido especial que fizemos com fé. Em tempos como esses em que estamos vivendo, oramos todos os dias por alguém querido, ou conhecido, que padece num leito de hospital, tentando se recuperar dos efeitos deste vírus maldito. Por vezes esses pedidos nos chegam sob a forma de um apelo angustiado de quem pede por um milagre. Então nos dispomos a orar e o milagre não acontece…! Por quê? Jó decide perguntar ao único ser capaz de responder. Sempre o imagino olhando para o Céu, com os olhos bem abertos, braços estendidos para o alto e lágrimas rolando em sua face. “Por que escondes o teu rosto e consideras-me teu inimigo?” – pergunta o patriarca. “Queres aterrorizar uma folha arrebatada pelo vento? E perseguirás a palha seca?”

Há algo extraordinário neste quadro. Vejo aqui a figura de um Deus soberano que, mesmo não tendo que dar satisfações a ninguém, se permite ser abordado desta forma, por um filho angustiado que pede por explicações. Ele mesmo, o Senhor, propõe esse tipo de encontro e esta possibilidade de conversa. “Vinde então, e argui-me, diz o Senhor” (Is 1:18). Vamos ter uma conversa franca. Diga-me o que o está incomodando. Uma resposta negativa a um pedido especial que foi feito a Deus não implica, necessariamente, em falta de fé ou a existência de um pecado não confessado. Cristo é um exemplo disso. Pediu para que o Pai, se pudesse, poupasse-O daquele sofrimento todo pelo qual estava passando e recebeu como resposta apenas a promessa de que seria acompanhado durante o restante do processo, mas teria de enfrentar tudo até o final!

 Você tem tido a sensação de que Deus lhe escondeu o rosto, e parece não querer ouvir a sua oração? Já foi tentado a pensar que Ele se alegra em declarar-Se um inimigo que você não pode vencer? Já pensou em desistir de tudo por pensar que nada mais vale a pena? Pois bem, considere a possibilidade de ter uma conversa franca com Deus. Avalie o benefício de parar por um instante e tentar ver as coisas com outros olhos, ou a partir de um outro ponto de vista. Gosto de uma frase famosa de C. S. Lewis: “Deus sussurra em nossos ouvidos por meio de nosso prazer, fala-nos mediante nossa consciência, mas clama em alta voz por intermédio de nossa dor; este é seu megafone para despertar o homem surdo”. Continuo acreditando que Deus prefere falar através do amor, mas reconheço que a dor, por vezes, nos torna mais sensíveis às mesmas expressões da graça e à voz do Espírito.

Você, por acaso, começou o dia pensando que seria melhor nem saber como tudo vai terminar? Achou que estava sozinho, perdido em seus pensamentos, e que era o único com vontade de dizer “umas poucas e boas” e para Deus? Então saiba que não foi o primeiro e nem será o último.  Aliás, há uma porção de nós que estão pensando a mesma coisa, exatamente agora! Então, aproveite para falar com Ele agora; talvez não demore para que percebamos as bênçãos que Ele mesmo planejou para o nosso dia! A exemplo de Jó, vou seguir acreditando, mesmo diante das respostas negativas. E você?

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.