A pergunta de ontem me deixou pensativo durante todo o dia. Fiquei realmente imaginando como seria encarar todos aqueles que foram deixados de lado por conta da minha omissão, e até mesmo da minha irresponsabilidade, ao negar-me testemunhar dos feitos de Deus em minha vida ou cumprir com a ordem que ele me deu ao chamar-me para ser um arauto da verdade. A questão ficaria ainda mais complicada de ser respondida se considerar a mesma pergunta feita pelo próprio Deus. Como seria, então, ouvir o próprio Criador perguntando: “E agora Marcilio, o que Eu devo fazer com você?”
Jonas sabia da seriedade envolvida no momento e tratou logo de assumir sua culpa. Pedir aos homens do navio que o lançassem para fora do barco, no meio da tempestade, foi, de fato, um ato de muita coragem. Ainda que tivesse faltado a Jonas a coragem moral, esta, que podemos chamar de coragem física, ele tinha de sobra. Ele talvez imaginasse que Deus aplacaria o furor da tempestade cuidando da segurança dos demais passageiros e tripulantes da embarcação, mas ao ser lançado no mar, o profeta provavelmente imaginou que aquele seria o seu fim. Deus, no entanto, ainda tinha um plano para os moradores de Nínive, e esse plano ainda incluía a participação do profeta fujão. A intenção do Eterno ainda era de anunciar a destruição de Nínive, caso os seus moradores não se arrependessem dos maus caminhos pelos quais andavam.
Como Deus que nunca foi, e nunca será surpreendido, já tinha preparado todos os detalhes para que Seus propósitos fossem mantidos, a despeito das pequenas alterações implementadas por Jonas. “Então o Senhor fez com que um grande peixe engolisse Jonas, e ele ficou dentro do peixe três dias e três noites” (Jn 1:17). Castigo? Talvez não! Providência? Sim, e com uma generosa dose de misericórdia! Deus providenciou uma forma sobrenatural de proteger Jonas enviando um grande peixe para mantê-lo vivo em suas entranhas. Se a princípio Jonas consciente da necessidade de viajar a Nínive tomara a direção de Társis, servindo-se de um barco que partiu de Jope, agora, na barriga do peixe, não tinha o menor controle de seu destino. Estava totalmente a mercê do mesmo Deus que decidira desobedecer.
Imaginei-me, como disse, no lugar de Jonas. Orgulhoso como ele, me neguei a ser um instrumento de salvação, num lugar que Deus havia indicado. Neguei-me a imaginar que merecessem o menor sinal da graça ou um gesto de misericórdia do Eterno. Preferi pensar na possibilidade de receber a notícia de sua completa destruição, justamente por considerá-los orgulhosos e desobedientes. Mas agora, me encontro num lugar fétido, escuro, claustrofóbico e desconhecido; não tenho o menor controle de nada na vida, muito menos o destino desta fase da viagem. Penso que outro grande temor do meu coração fosse ouvir o próprio Deus me perguntando: “Agora me diz você, Marcilio, considerando todos os seus argumentos e as razões que te fizeram partir na direção oposta, o que acha que devo fazer com você?” Jonas decidiu orar!
“Em minha angústia, clamei ao Senhor, e ele me respondeu. Gritei da terra dos mortos, e tu me ouviste. Nas profundezas do oceano me lançaste, e afundei até o coração do mar. As águas me envolveram; fui encoberto por tuas tempestuosas ondas. Então eu disse: Tu me expulsaste de tua presença e, no entanto, olharei de novo para teu santo templo. Afundei debaixo das ondas, e as águas se fecharam sobre mim; algas marinhas se enrolaram em minha cabeça. Afundei até os alicerces dos montes; fiquei preso na terra, cujas portas se fecharam para sempre. Mas tu, ó Senhor, meu Deus, me resgataste da morte! Quando minha vida se esvaía, me lembrei do Senhor, e minha oração subiu a ti em teu santo templo. Os que adoram falsos deuses dão as costas para as misericórdias de Deus. Eu, porém, oferecerei sacrifícios a ti com cânticos de gratidão e cumprirei todos os meus votos, pois somente do Senhor vem o livramento” (Jn 2:2-9).
A oração descreve a experiência de Jonas enquanto esteve no ventre do peixe. O profeta percebe que estar vivo ainda é, por si só, manifestação da misericórdia do Senhor. Ora como quem tem certeza de que ainda terá uma chance de cumprir os votos que fizera antes; ora como quem conhece o Criador de perto, e tem consciência de suas limitações humanas diante de um Deus soberano, não apenas pelas circunstâncias do momento. Ora como quem sabe que Deus não perguntaria para aumentar o senso de culpa, ou tornar o pecador ainda mais indigno; ora porque tem consciência de que a pergunta, se fosse feita, teria a clara intenção de provocar uma mudança para melhor, no comportamento dele mesmo, um profeta fugitivo!
Não sei você, mas já estive algumas vezes “na barriga do peixe”. Na ocasião, como já disse, tentava fugir da minha responsabilidade de cristão (representante de Cristo). Não há um milímetro sequer de orgulho nessa hora, porque me sentir totalmente quebrantado. Fui tentado a me sentir indigno e sem perdão. Fui tentado a pensar que a Graça não mais me alcançaria, e a misericórdia não estaria mais à minha disposição. Mas estava errado! Graças a Deus decidi fazer da oração meu exercício de guerra. Lutei contra minha natureza e me permiti ser alvo das ações sobrenaturais de um Deus que insiste em me amar. Fui posto novamente em pé, apesar de ter sido “vomitado pelo peixe” – o perdão não elimina as consequências de decisões equivocadas. Me vi “na praia”, tendo Nínive à minha frente. Entendi que, até que o Filho volte, minha missão é pregar e pregar, anunciando a chegada do Rei e a realidade plena do Reino. Seria um privilégio, caro leitor, saber que posso contar com a sua companhia!
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.