Imunidade e Humanidade
Seu amor uns pelos outros provará ao mundo que são meus discípulos”.
Já passamos de um ano desde que as primeiras medidas restritivas contra o Covid-19 começaram aqui no Brasil. Lembro-me de como eram otimistas as previsões em março de 2020. Tínhamos, naquele momento, a impressão de que tudo se resolveria em um ou dois meses, no máximo. Muito tempo se passou e ainda vivemos sob o mesmo pesadelo, mas agora com o agravante da perda de muita gente querida.
No momento em que comemorávamos as primeiras doses da vacina, computávamos, só no nosso país, quase duzentas e quarenta mil vidas perdidas para esse vírus maldito e para nossa insistência em ignorar os riscos de contágio, ao olvidarmos as recomendações anunciadas. Esse tempo todo de pandemia trouxe a tona uma realidade anunciada desde o início: esse período revelaria não só o que temos de melhor, mas o que temos de pior também.
Vimos uma multidão de anônimos que, em solidariedade ao ser humano à sua frente, reconheceu-o irmão, igual e digno de atenção. Gente que abriu mão da companhia de seus familiares para viverem a realidade do confinamento, não como naqueles reality shows, onde a vida humana se torna objeto de consumo e é oferecida numa grande vitrine, como entretenimento à outra multidão de alienados que preferem não se incomodar com o que ocorre à sua volta. Entre os anônimos estavam os profissionais de saúde, e outros tantos trabalhadores ligados aos serviços de primeira necessidade. Gente que admitiu a possibilidade de correr riscos maiores para tornar menor o sofrimento de quem precisou de atendimento nos hospitais, ou das famílias, que angustiadas com a eminência da morte, buscavam por ajuda, viesse ela de onde fosse. Gente preocupada em continuar produzindo, mesmo quando o medo levou quase todos para dentro de suas casas, naquele primeiro momento. Estavam nos supermercados, nas farmácias, nas padarias, na lavoura.
Mas também vimos pelas ruas, aqueles que não se importaram nenhum pouco com o perigo que ofereciam a seus amigos e familiares quando decidiam estar aglomerados, amontoados e desprotegidos. Vimos suas comemorações, seus pancadões. Assistimos com preocupação, a manifestação pública do egoísmo e da falta de respeito pelo outro, enquanto julgando-se fortes e imunes, transportavam o vírus e seu perigo mortal, de um lado para o outro. Entre esses, agora, estão aqueles que procuram furar a fila da oferta da vacina, aproveitando-se de brechas para exercitarem o lado mais sombrio do ser humano. Enquanto buscam a imunização abrem mão da humanização!
Mas não podemos perder a esperança. Não! Isso não. Nunca! Somos brasileiros. Esse é um país laico, embora majoritariamente cristão. A verdade é que precisamos insistir em continuar buscando algo melhor não só pra nós, mas também para a sociedade em que estamos vivendo. Ainda que, pela natureza humana, nossa tendência seja sempre de esperar pelo outro, ou no outro, a mudança que queremos ver acontecendo, essa mudança pode partir de nós.
Um autor inglês, mundialmente conhecido, autor das famosas Crônicas de Nárnia, escreveu em certa ocasião, algo que ainda hoje me chama a atenção. C. S. Lewis sintetizou em algumas linhas minha proposta de reflexão para este momento, dizendo: “Orar por alguém é dizer eu te amo escondido, é amar sem ser visto, sem plateia e sem aplausos. Orar é fortalecer o outro de maneira invisível”. Talvez, então, nossa melhor decisão fosse orar, e não somente agora, nesse momento de afastamento social. A melhor coisa a fazer é orar pelo país, orar pela sociedade, orar por quem é de perto, do coração.
Orar por quem é conhecido, mas também orar pelo desconhecido, pelos profissionais que cuidam da gente, que cuidam da nossa gente! O fato de não os conhecermos pelo nome não nos impede de interceder por eles (e elas) diante do Pai. E se orar é amar, por que não desenvolver esta atitude tão positiva e estimulá-la em casa, em nosso círculo familiar, com filhos e amigos, fazendo dessa decisão uma herança que se transmita de geração em geração? Por que não fazer da oração um meio de exercitar o perdão, a gratidão, o altruísmo, a bondade, a misericórdia e a compaixão?
A oração pode nos lembrar algo que já quase nos esquecemos: Somos humanos, e humanidade deveria ser uma de nossas principais características identificadoras. Não podemos permitir que a busca por imunidade nos faça abrir mão da humanidade. Não podemos nos tornar imunes ao sofrimento alheio, à dor do outro, às dificuldades de quem sofre. Precisamos continuar nos importando mais, como antes, pelas perdas de quem mora longe, com a fome de quem não conhecemos de perto, com os prejuízos de nossos irmãos humanos, vítimas das mais diferentes violências em toda parte do mundo.
Tenho duas primas que trabalham na área da saúde. Uma delas é que faz a indicação da música de hoje. Desde que esse pesadelo começou, não houve um único dia em que eu não pedisse a Deus que a protegesse. Pedi insistentemente que a boa mão do Senhor estivesse estendida sobre ela e todos os seus colegas de trabalho. Orei pedindo que Ele a mantivesse conosco, mas que pudesse mantê-la firme no propósito de ser útil em seu posto de serviço, muito mais agora, por causa da realidade que enfrentamos. Orei agradecido pela sua dedicação e altruísmo. Orei para agradecer pelo exemplo que tem sido para nós, em casa, para nossa família. Orei agradecido por ter escolhido a opção de espalhar cuidado e amor.
A verdade é que ao optar pela indicação da música de hoje, quero através da Elaine, homenagear de forma muito singela, a todos que decidiram continuar humanos e imunes. Humanos no sentido de se reconhecer no outro, de se ver no lugar de quem sofre e atendê-lo como se fosse alguém da família, afinal, é o que realmente somos – todos da mesma família. Imunes no sentido de continuar com o coração blindado para essa proposta corruptora que nos torna cada vez mais egoístas, mais insensíveis e menos solidários.
Podemos escolher ser agentes de mudança. A exemplo da “Nana” e sua casa, podemos escolher fazer a diferença e transformar um pedacinho do mundo num lugar melhor de se viver. E como podemos fazer isso? Oferecendo mais amor, mais gratidão, mais bondade, mais compaixão. Podemos começar de modo simples e objetivo – podemos começar orando! Quem ora diz eu te amo de maneira anônima, lembra? Podemos começar cantando, mesmo que não seja num vídeo simples, como esse em que minha prima Elaine aparece. Você pode começar cantando bem alto no chuveiro. Pode fazer toda a diferença na vida do vizinho que estará ouvindo…
Se você está lendo esse texto, saiba de uma coisa, aqui em casa nós estaremos orando por você. Vamos pedir a Deus que te faça muito feliz, que realize os teus sonhos e, assim que possível, nos dê o privilégio de te conhecermos pessoalmente (se é que já não nos conhecemos! rsrs).
A sugestão de música para ilustrar nosso Devocional de hoje vem de Guarulhos, SP, e quem nos enviou foi:
Elaine Melo
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.