Grandes Mulheres - Vasti

“Mas, quando transmitiram a ordem do rei à rainha Vasti, ela se recusou a ir.”

Ester 1:12 

Não é de hoje que se comemora a felicidade, e o bom momento em que se vive, com festa. O costume de juntar muita gente para festejar e testemunhar a alegria de uma conquista, por exemplo, vem de longa data. Essas comemorações vão desde uma reunião de família, para celebrar o final de um ciclo na vida estudantil, ou acadêmica, de um de seus membros, até superproduções que envolvem muito trabalho e recursos financeiros. Há aqueles que, como a minha família, não precisam de motivos específicos e programados para festejar, estarmos juntos, por si só, e por qualquer razão, ainda que seja para tomar um sorvete de palito, já é uma festa.

Não era esse o caso de Assuero, ou Xerxes, como também era conhecido, que reinou sobre 127 províncias, desde a Índia até a Etiópia” (Ester 1:1). Diante da possibilidade, e de seu grande interesse, de submeter a Grécia ao seu governo, junta os homens mais poderosos e influentes de seu império para um grande banquete. Estava disposto a convencer os nobres e príncipes das províncias, seus servos e generais, que aquele seria um bom momento para aumentar ainda mais sua riqueza. “A festa durou 180 dias e foi uma demonstração formidável da grande riqueza do império e da pompa e esplendor de sua majestade” (Ester 1:4).

Ao final daqueles seis meses de propaganda oficial do governo, Assuero oferece aos seus ilustres convidados, e a todos os moradores de Susã, um enorme banquete. O autor do livro de Ester tratou de oferecer alguns detalhes desta festa para mostrar as dimensões dos preparativos e da importância que o rei estava atribuindo àquele momento. “O pátio estava enfeitado com cortinas brancas de algodão e com tapeçarias azuis, presas com cordas de linho branco e fitas vermelhas a argolas de prata fixadas a colunas de mármore. Havia sofás com armação de ouro e de prata sobre um piso de mosaico de pórfiro, mármore, madrepérola e outras pedras preciosas. As bebidas eram servidas em taças de ouro de diversos modelos, e havia grande quantidade de vinho real, para mostrar a generosidade do rei. Por ordem do rei, podia-se beber à vontade, pois ele havia instruído os oficiais de seu palácio a servirem quanto vinho cada convidado quisesse” (Ester 1:6-8). Alguns especialistas traduzem a palavra original como “bebedeira”, fazendo do termo banquete uma espécie de eufemismo para o que de fato estava acontecendo naquele lugar.

É nesse contexto que encontramos nossa Grande Mulher de hoje. O texto bíblico informa que “No sétimo dia da festa, quando o rei Xerxes estava muito alegre por causa do vinho, ordenou aos sete eunucos que o serviam, que lhe trouxessem a rainha Vasti, usando a coroa real”. (Ester 1:10-11). Depois de ter exibido, orgulhosamente, a riqueza e a glória do seu reino, os pensamentos de Assuero se voltam para a beleza da rainha. A exibição de sua formosura seria o ponto alto da festa. A rainha, que estava oferecendo um banquete para as mulheres, também no palácio, recusou-se a acompanhar os mensageiros que vieram buscá-la. Sua atitude foi tida como uma afronta ao soberano rei do império, e teria graves consequências.

Mas o que teria motivado Vasti a recusar-se comparecer diante do rei numa ocasião como aquela? Por que decidiu enfrentar as consequências de desafiar as irrevogáveis leis dos medos e dos persas?

A razão para a recusa da rainha não está clara e, justamente por isso, sugere algumas possibilidades, entre elas a tentativa de evitar ser apresentada diante de um grupo enorme de homens bêbados, ainda que fossem nobres da corte. Alguns historiadores sugerem que a rainha não desejava ser submetida aos olhares curiosos e constrangedores de uma multidão de homens embriagados. Talvez estivesse contando com o perdão de seu esposo, quando finalmente pudesse explicar o constrangimento pelo qual passaria por ter sido obrigada a apresentar-se naquelas condições. Ainda que não se possa garantir que tenha sido essa a razão, podemos considerar a coragem envolvida nessa possibilidade e suas implicações, olhando, principalmente, pra nossa realidade de hoje.

Quem de nós teria recusado o convite do rei, se ele nos fosse feito hoje, nas circunstâncias sob as quais vivemos? Quem de nós teria evitado a oportunidade de “aparecer” diante de tanta gente importante, e de se tornar o centro das atenções por alguns instantes? E pergunto não por querer fazer qualquer tipo de julgamento, senão por perceber em mim mesmo um desejo cada vez maior, que pode até se tornar incontrolável, de querer ser visto, seguido, curtido e compartilhado. Esse comportamento nos aproxima cada vez mais da realidade observada por Zygmunt Bauman, na qual a lógica da mercadoria se expande para a formação da identidade e da personalidade, e as pessoas passam a desenvolver suas habilidades, os gostos, o estilo de vida, a maneira de se vestir, de falar, de se portar em público, pensando como uma mercadoria que precisa ser vendida. Ainda que não receba um convite do rei para me apresentar, sob a força da lei, diante de uma multidão de gente que passará a me enxergar como uma “mercadoria”, exposta na vitrine de uma grande loja, corro o risco de fazer das minhas redes sociais uma versão um pouco mais reduzida do grande shopping center da vida, e ali, como sugere Bauman, revelar minha “nudez”, as vezes física, mas geralmente social, familiar e até emocional, à gente pouca interessada na minha real felicidade.

Ainda que esta não tenha sido a verdadeira preocupação de Vasti, e sua real motivação, a possibilidade já me leva a rever uma porção de comportamentos meus, que nada condizem com minha intenção de servir a Deus e testemunhar do seu amor. A exemplo desta grande rainha, ainda que as consequências da minha decisão ao lado do Criador do Universo sejam negativas, do ponto de vista humano, os resultados em termos de eternidade podem ser altamente satisfatórios. Meu desejo será sempre que o Senhor, Ele mesmo, me dê a força, a fé e a convicção de que continua valendo a pena seguir o plano que Ele estabeleceu para a minha vida.

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Marcilio Egidio - Marcilio - Egidio - Coletivo Cafarnaum

Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.