Os moradores de Jericó estavam atemorizados com a chegada do povo de Israel. A notícia de que estavam bem próximos de Canaã, restando apenas atravessar o Jordão, chegara a seus ouvidos como bomba de alto poder destrutivo, afinal, haviam recebido notícias dos feitos de Jeovah desde a saída dos hebreus do território egípcio. Foram informados, quarenta anos antes, do que ocorrera ao Faraó por negar a saída pacífica daquela nação de escravos, e o resultado final de sua empreitada junto ao Mar Vermelho. Também receberam notícias do que ocorrera aos reis amorreus que guerrearam com Israel no caminho do deserto. Tinham a sensação que algo muito ruim estava para acontecer, e muitos na cidade já admitiam a possibilidade da derrota.
Josué, um estrategista como era, resolveu enviar secretamente dois espias à cidade de Jericó. Lembrando-se de quarenta anos antes, quando foi designado com outros 11 príncipes a espiar a terra, pensou em um número menor de espias e designou-os a uma missão secreta, para não correr o risco de novamente concluírem que não seria possível herdar a Terra Prometida, como ocorrera antes. “Andai e observai a terra e Jericó”, foram suas ordens.
Os dois homens, então, tentam se misturar aos demais, que provavelmente voltavam para a cidade no final da tarde, e buscam abrigo num lugar que despertasse menos suspeitas. “Foram, pois, e entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raabe, e pousaram ali” (Js 2:1). O plano parecia perfeito até descobrirem que haviam sido descobertos, e o rei de Jericó agora buscava encontrá-los. “Eis que esta noite, vieram aqui uns homens dos filhos de Israel para espiar a terra” (Js 2:2), disseram os informantes do rei, e eles estão na casa de Raabe.
Ao receber os emissários do rei, Raabe, que já havia encontrado um meio de esconder os espias, trata de despistá-los, negando, inclusive, saber por onde é que estariam àquela hora da noite. “É verdade que os dois homens vieram a mim, porém eu não sabia de onde eram. Havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, eles saíram; não sei para onde foram; ide após eles depressa, porque os alcançareis.” (Js 2:4 e 5)
Fica evidente que Raabe era uma mulher inteligente. Na sequência dos fatos, percebemos que ela conhecia a impressionante história de Israel e dos atos espetaculares do seu Deus. Sabia da iminente destruição de Jericó, talvez até um pouco mais que os próprios israelitas acampados do outro lado do Jordão. Sua coragem também fica evidente ao considerarmos os riscos que ela decidiu correr ao esconder aqueles dois estranhos. Se fossem descobertos, ali em sua casa, Raabe também seria condenada à morte por traição.
Com os olhos no passado recente, que a lembrava das ações de Deus em favor de Israel, mas também pensando no futuro de sua família, Raabe decide fazer um trato com os espias mesmo antes de conversar com eles a respeito do assunto. Quando finalmente despistou os guardas, voltou-se para os espias e deu testemunho de sua fé: “Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados”. (Js 2:9) Depois de reconhecer a soberania de Deus, diante daqueles dois estranhos, ela faz um pedido especial: Por favor, retribuam a misericórdia oferecida a vocês, protegendo a casa de meu pai, quando esta cidade finalmente for destruída!
Inteligente, corajosa e de grande discernimento espiritual, Raabe dispõe-se a seguir caminho com aqueles estranhos, adoradores do Eterno. Reconhece a diferença entre o Deus de Israel e os deuses adorados por ela e seu povo, e decide estar entre aqueles que O servem. No mesmo instante em que oferece ajuda aos espias que estavam em missão de guerra, pede por auxílio em suas batalhas internas. Permanecer como antes significava morrer com seu povo, em seus pecados, recorrer ao desconhecido e viver como estrangeira, com outro povo, sob novos costumes, implicaria não apenas em um recomeço, mas uma mudança radical de vida. Decidiu pagar o preço da segunda alternativa.
Como resultado de sua coragem, fé e inteligente determinação, salvou sua família da destruição, foi contada entre o povo de Deus, constituiu família em Israel, se tornou a mãe de um dos homens mais bondosos de quem se tem notícia na bíblia, e está listada na genealogia de Jesus. Raabe é um exemplo de como tomar decisões acertadas e permanecer firme no propósito de assumir os riscos, mesmo quando as circunstâncias parecem desfavoráveis. Raabe é outra grande prova do interesse de Deus em oferecer uma nova oportunidade a todos quantos decidirem aceitá-Lo como Rei, e a Jesus Cristo como salvador. Raabe é prova de que o Senhor está mais interessado em nosso futuro, no que ainda podemos fazer e produzir sob Seus cuidados, do que em nosso passado, seja ele qual for.
Há ainda outras Raabes por aí, que precisam ser enxergadas à partir desse mesmo prisma; precisam ser vistas como filhas de Deus e respeitadas com tal. Essa multidão de Raabes precisa saber que há no Céu um Deus cujo coração está apertado, aguardando ansiosamente pela decisão da mudança; um Deus disposto a oferecer não só o perdão, mas uma vida plena de felicidade. Quem sabe o Senhor não esteja me chamando, hoje e agora, para ser uma espécie de agente secreto, como foram aqueles dois espias, para promover este momento de mudança. Quem sabe se Ele não está esperando que eu abra mão dos meus preconceitos e passe a olhar para essas Raabes como partes importantes do plano ainda maior de um Deus que tenta, a todo custo, me salvar também. Quem sabe?
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.