A Bíblia relata uma porção de conflitos entre Israel e a Síria. Durante essas batalhas muita crueldade era praticada, sob o pretexto de ser ações comuns em momentos de guerra. Saques e pilhagem eram apenas algumas das ações praticadas. Outra atitude muito desumana era o sequestro, principalmente de mulheres e meninas, que eram levadas de seus lares, para servirem de escravas em terras distantes. Essas escravas eram obrigadas a todo tipo de humilhação e serviço. Algumas, às vezes, tinham a sorte de servirem apenas como empregadas, realizando serviços domésticos.
A história de hoje nos lembra que atos de heroísmo e coragem não estão necessariamente ligados à idade. A fé, desenvolvida e exercitada durante a infância, pode contribuir logo cedo para a felicidade de alguém que decide servir a Deus, independentemente das circunstâncias em que vive, ou os desafios que precisa enfrentar. Nossa personagem de hoje nos convida a enxergar a vida com um olhar mais otimista e grato. Embora pouco se fala sobre ela nas Escrituras, sua sugestão e fé a habilitam a entrar em nossa lista de Grandes Mulheres.
Conhecida como menina cativa, ela certamente estava entre aquelas que foram arrancadas de seus lares e levadas para a Síria, pelos soldados de Naamã, um oficial que se tornara famoso por suas conquistas de guerra. Acabou escolhida por esse comandante do exército e foi dada como presente à esposa dele para trabalhar e servi-la como escrava. Longe de casa, distante da família, aparentemente abandonada por Deus e sem conforto e esperança, aquela menina logo teve de fazer uma escolha para os próximos anos da sua vida: tornar-se amargurada e melancólica, fazendo de sua infelicidade o centro de seus pensamentos, não se importando com o constrangimento que a doença do patrão causava a ele e sua família; ou aceitar o desafio de encontrar razões específicas para Deus ter lhe permitido parar naquele lugar.
A primeira opção se justificaria pela vida que passou a enfrentar. Morava em um lugar distante de sua casa, provavelmente sem receber nenhuma notícia de seus pais. Estava sob os cuidados de estranhos, numa cultura totalmente diferente da sua, afastada, inclusive, da possibilidade de desenvolver sua religiosidade da forma como tinha sido ensinada a fazer. Como serva da esposa de Naamã, era obrigada a servir na casa do comandante dos exércitos que invadira sua terra natal. No entanto, optou pelo caminho que talvez considerássemos o mais difícil. Decidiu que serviria, acima de tudo, ao Senhor, e daria um bom testemunho do Deus de Israel, mesmo estando em circunstâncias adversas.
Sua decisão começa a se tornar evidente já a partir do fato de manter-se como serva da esposa do comandante. Tivesse ela um comportamento inadequado, certamente não estaria trabalhando naquela casa. Se ela não tivesse escolhido desenvolver o seu serviço de maneira fiel e responsável, estaria em qualquer outro lugar, e não na casa de um oficial importante, e herói de guerra. Apesar de cativa, não esqueceu de sua terra, de seu Deus e dos grandes feitos do Eterno pelo seu povo. Decidiu não alimentar nenhum sentimento ruim por quem a levara cativa, e ainda que estivesse sendo forçada a serviços involuntários, estava disposta a pagar o mal com o bem. Tão logo teve uma chance, fez saber à sua patroa que conhecia um caminho para libertar Naamã de seu mal. Lembrando-se das grandes obras do profeta Eliseu, em sua terra natal, sentiu que o homem de Deus poderia muito bem solucionar o problema enfrentado pelo patrão, e “certo dia, a menina disse à sua senhora: “Como seria bom se meu senhor fosse ver o profeta em Samaria! Ele o curaria da lepra!” (II Rs 5:3).
Cheia de amor para com Deus, a menina manifesta solidariedade ao seu senhor enfermo e à esposa. Com muita sabedoria, encontra o momento e o jeito certo de oferecer ajuda. Em vez de desejar que Naamã permanecesse doente, como castigo pelo mal que lhe fizera, ela preferiu desejar-lhe a restauração e a possibilidade de uma vida mais feliz. Não havia combinado absolutamente nada com o profeta. Não tinha a menor ideia do que o homem de Deus acharia daquela sugestão, mas sentia em seu coração que esta era a vontade de Deus. Sabia que o Deus de Israel também poderia se tornar o Deus daqueles estrangeiros. Talvez tenha, até mesmo imaginado, como seria bom se ela pudesse, depois de tudo feito, e Naamã curado, adorar o Senhor Deus de Israel na companhia de seus patrões.
A história é conhecida. Naamã foi curado de sua doença de pele e desejou servir o Deus de Israel. Entre suas palavras de gratidão a Eliseu a uma expressão que nos leva de volta ao testemunho da garota que o servia em casa: “Voltou ao homem de Deus, ele e toda a sua comitiva; veio, pôs-se diante dele e disse: Eis que, agora, reconheço que em toda a terra não há Deus, senão em Israel” (II Rs 5:15). Naamã tinha ouvido falar de Deus pelo testemunho da serva hebreia, mas agora, por experiência própria, dava provas do poder do Eterno e reconhecia Sua soberania. Ainda que tivesse relutado um pouco, em banhar-se no Jordão, sua pele se reestabeleceu, entre outras razões, como resposta às orações da menina que, em casa, intercedia por ele e pelo sucesso daquela viagem, diante de Deus.
O testemunho desta garota, talvez uma adolescente com a idade da minha filha, me faz pensar em minha responsabilidade de pai e sacerdote da minha casa. Me lembra da influência que exerço na vida espiritual dos meus filhos e do efeito daquilo que aprendem em casa na vida de cada um deles, e de todos os que convivem com eles. A maneira como a garota reagiu diante das adversidades que enfrentou me faz repensar a minha postura diante da vida e dos problemas que tenho tido; me torna ainda mais consciente da necessidade de permitir o agir de Deus em meu coração e o estabelecimento de Seu plano para toda e qualquer situação que tenho de enfrentar.
Os poucos versos que tratam da história desta pequena Grande Mulher reforçam grandes lições que preciso continuar exercitando, até que, finalmente, se tornem uma realidade tão visível na minha vida como foi na vida dela. O desejo do meu coração é poder chegar ao ponto de refletir o amor de Deus em cada uma das minhas decisões, dos meus atos e pensamentos, a fim de que outros filhos de Deus, se juntem a mim nessa jornada em direção à realidade plena do Reino, afinal, enquanto estivermos por aqui, a sensação será sempre de sermos peregrinos em terras estrangeiras.
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.