Antes de continuarmos a história de ontem. É preciso lembrar que o relato de Juízes 4 e 5 se dá num contexto de opressão, humilhação, pilhagem e violência. Ainda que Canaã fosse de fato a terra prometida, Israel deveria, por muito tempo ainda, administrar o processo de conquista e manutenção das áreas que estavam sob seu domínio. Por essas e outras razões, vez por outra estavam envolvidos em guerras com os povos vizinhos. Como vimos ontem, Jabim, o governador cananeu daquelas áreas, tratou de minar as forças de Israel através de saques e ataques às vilas e cidades menores, obrigando o povo a se refugiar nas cidades maiores e um pouco mais fortificadas.
Entre os aliados de Jabim estavam alguns representantes dos queneus, originários do sul da Palestina, mas que se instalaram na região após se afastarem do restante de sua tribo. Segundo se sabe, eram hábeis na agricultura, mas também trabalhavam com a metalurgia, negociando com Jabim armas e carros de guerra. Esse povo já conhecia as histórias de Israel e os feitos de Seu Deus desde os tempos em que os hebreus estavam sob a liderança de Moisés.
Certo é que o Eterno, como fora prometido, conduziu o exército de Israel a vitória, tornando os movimentos dos carros e cavalos do exército inimigo praticamente impossível. Muito provavelmente uma grande chuva caiu naquela região, e o vale, onde estavam acampados os soldados de Sísera, ficou encharcado. A lama que se formou provocou um verdadeiro atoleiro, dificultando o plano de guerra cananeu. Diante da derrota iminente, Sísera e seus soldados fogem para salvar a vida. Os soldados foram todos derrotados, restando apenas seu comandante, que correra a pé, na direção do acampamento dos queneus.
A notícia da batalha certamente chegou antes do comandante aos ouvidos dos moradores da região. Logo se viu a aproximação de Sísera que fugia à perseguição de Baraque. Então, entra em ação a nossa heroína de hoje. Esposa de Héber, essa beduína certamente desenvolvia alguma liderança entre os demais de sua tribo, principalmente na ausência do esposo. Quando avisada da chegada de Sísera, teve logo de tomar uma decisão importante: manteria sua relação amistosa com o lado opressor e providenciaria os meios para que o comandante tivesse sucesso em seu plano de fuga, ou, a exemplo de Raabe, confiaria nas impressões de seu coração e se colocaria ao lado do Eterno, dando fim à batalha daquele dia, tirando a vida de Sísera? Escolheu a segunda opção.
Convidou o comandante para entrar em sua tenda. Sísera estava tão desesperado que não considerou os detalhes envolvidos nessa questão. Primeiro um homem não deveria entrar na tenda de uma mulher casada, sob o risco de levantar suspeitas de adultério; segundo, de acordo com o costume da época e do lugar, pedir algo para beber e pela promessa de segurança era considerado como tremendo insulto ao anfitrião. Ao receber alguém em sua casa, os beduínos ofereceriam de bom grado água, alimento e segurança, sem a menor necessidade do pedido. O pedido de Sísera demonstra que estava, claro, desconfiado e cauteloso. Ele mesmo, que por muitas vezes, usara de astúcia para cumprir as ordens do governador, agora está sob os cuidados de uma mulher tão astuta, ou mais ainda, do que ele. Depois de lhe oferecer leite e um lugar para deitar-se, Jael aguardou até que o comandante caísse num profundo sono e então o matou.
Jael escolheu um dos lados da batalha, e com sua decisão cumpriu a profecia dada a Baraque, através de Débora, que uma mulher seria lembrada como a grande vitoriosa naquela batalha contra Sísera. Enquanto parte do povo de Israel se omitiu da responsabilidade de capturar o comandante inimigo, durante sua fuga, uma mulher beduína se coloca à disposição de Deus para cumprir o Seu propósito. Quando leio o capítulo 5 de Juízes, num trecho intitulado como o Cântico de Débora, o verso que antecede o convite para que Jael seja honrada por sua decisão corajosa e leal a Deus, revela a decepção do Criador com os moradores de Meroz, israelitas que não fizeram nada para colaborar com Baraque, e o próprio Deus, durante aquela batalha. “‘Amaldiçoem os habitantes de Meroz’, disse o anjo do Senhor. ‘Amaldiçoem duramente, pois não vieram ajudar o Senhor, ajudar o Senhor contra fortes guerreiros.’ “ (Jz 5:23)
Jabim, governador em Canaã, foi terrivelmente humilhado, perante o Senhor Deus de Israel, pela ação de duas Grandes Mulheres. Duas grandes filhas do Eterno que salvaram, pela sua coragem, centenas de outras mulheres que seriam levadas, pelos cananeus, junto com os despojos, como troféus de guerra, a fim de servirem como objetos sexuais (Jz 5:30).
Neste sete de março, dia que antecede as comemorações e homenagens envolvidas na celebração do Dia Internacional da Mulher, deixo aqui o registro da minha gratidão a cada uma das grandes guerreiras que, aceitando o convite de Deus, empunham a bandeira ensanguentada do Cristo crucificado, liderando batalhas contra as hostes do inferno, em defesa da causa daqueles que buscam realizar o sonho de viver a realidade plena do Reino. Minha gratidão a todas elas, que mesmo diante da covardia de pretensos servos de Deus, não se curvam na batalha, assumindo, quando necessário, não apenas o protagonismo, mas também o posto da infantaria, nesta guerra contra o mal. A todas vocês, e a cada uma em particular, o nosso muito obrigado!
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.