Quando sugerimos a possibilidade de listar, durante este mês de março, as Grandes Mulheres da Bíblia, provavelmente você imaginou que em algum momento pudéssemos falar de Ana, mãe de Samuel. Não haveria como deixar de lado este exemplo de fé, persistência e devoção. Esposa de Elcana, um levita da família de Coate, que habitava na tribo de Efraim, tinha em casa uma grande rival – Penina, a segunda esposa de Elcana.
A poligamia nunca foi autorizada por Deus. Seu plano de casamento sempre foi muito bem estabelecido, porém, por causa do pecado, dos costumes assimilados de outras nações, alguns membros do povo de Israel passaram a adotar essa estrutura familiar. Como não poderia ser diferente, as famílias assim constituídas precisavam administrar uma série de questões relacionadas à inveja, ao ciúmes e à necessidade de receber mais atenção por parte do esposo. No caso de Ana havia um agravante. Ela era estéril, porém seu marido, tentando compensar a falta do filho, devotava mais atenção e amor a Ana. Os gestos de Elcana provocava ciúmes em Penina, e esta atormentava a paciência de Ana, zombando, principalmente, do fato dela não ter filhos.
Como a distância da casa de Elcana até Siló, onde estava o tabernáculo, não era tão grande, Elcana sempre subia até lá, com sua família, para participar das festas que eram promovidas pelos levitas e sacerdotes, em memória dos feitos do Eterno em favor do Seu povo. A Páscoa, comemorada na primavera, era certamente a principal delas, porque lembrava o povo do milagre operado por Deus, quando decidiu criar os meios para tirar-los do Egito. A Páscoa também apontava para o futuro, quando o Cordeiro de Deus viria para redimir a humanidade da escravidão espiritual, por meio de Seu sacrifício.
É justamente num desses dias de festa que encontramos Ana sozinha, chorando no tabernáculo. Apesar de todas as provocações de sua rival, Ana não se dá ao trabalho de responder as ofensas que recebia, pelo contrário, buscou a presença de Deus, e ali derramou o seu coração. Evitou o embate porque sabia que não haveria ganho algum com aquela atitude. Procurou não endurecer o seu coração com a dor e discursos de vitimização. Precisava encontra um refúgio seguro. Dirigiu-se ao tabernáculo, e lá estando, passou a conversar com Deus, e ali, diante do Eterno, se sentiu constrangida a suplicar por algo maior e mais significativo que o presente que recebera de seu esposo. Ana pediu a Deus por um filho.
Seu pedido, porém, foi além do simples desejo de receber uma benção em benefício próprio. Estava disposta a abençoar outras vidas com o presente que receberia de Deus. Ela o devolveria ao Senhor para servi-Lo no tabernáculo, tão logo fosse possível. Faria de seu filho um homem separado para Deus e consagrado ao serviço religioso. “Ó Senhor dos Exércitos, se olhares com atenção para o sofrimento de tua serva, se responderes à minha oração e me deres um filho, eu o dedicarei para sempre ao Senhor, e o cabelo dele nunca será cortado” (I Sm 1:11).
Hoje, muito mais que nos tempos do Antigo Testamento, estamos nos afastando do plano original de Deus em relação ao benefício da oração. A pretensa sabedoria humana ensina que a oração não tem o menor valor e há muito deixou de ser essencial para o homem. Considera não haver a menor possibilidade da existência de alguém, em algum lugar, que possa responder as nossas preces, sob o argumento da violação das leis naturais. Aqueles que aderem a este pensamento abandonam, por completo, a possibilidade de ações sobrenaturais e, consequentemente a ideia de milagre.
C. S. Lewis certa vez escreveu: “Eu oro, porque eu não posso me ajudar. Eu oro porque estou desamparado. Eu oro porque a necessidade flui de mim todo o tempo – acordado e dormindo. Isso não muda Deus, isso me muda.” Lewis tinha consciência de que o plano de Deus consiste, também, em nos conceder, como resposta às nossas orações de fé, o que não nos daria de outra forma, não porque exija tal procedimento como uma espécie de pré-requisito obrigatório, mas como meio de nos tornar ainda mais conscientes de nossas limitações e plena dependência dEle. O exemplo deixado por Cristo, em Sua vida de oração, evidencia esse plano. Uma vida entregue à ação do Espírito Santo é uma vida de vitórias.
A história de Ana é mais uma daquelas que me lembram que a oração também funciona como um recurso que Deus encontrou para me transferir dignidade. Me ajuda a lembrar que não importa qual seja a opinião dos outros a meu respeito, quando oro sou recebido pelo dono do Universo, e Ele me confere o direito, e o privilégio, de uma audiência particular. Quando oro, não importa minha classe social, meu nível acadêmico, meu vocabulário humilde e reduzido. Não importa se o que vou falar me fará sorrir ou chorar; não importa se o milagre esperado será grande ou pequeno; quando abro o meu coração a Deus, a exemplo do que ocorreu com a mulher curada de seu fluxo de sangue, apenas por tocar nas vestes de Jesus, Deus faz uma pausa para saber o que é que está me incomodando, ou me deixando feliz.
A história de Ana me lembra a história de Abraão. Os dois dedicaram o filho a Deus. Os dois receberam os filhos como resposta às suas orações. De Abraão, no entanto, se pediu uma prova de fé, e ele obedientemente decidiu fazer o que o Senhor pedira e voltou com o filho para casa. Ana, por sua vez, em resposta ao presente que Deus lhe dera, em gratidão à oração atendida, dedicou seu filho ao Senhor, e o via uma vez por ano, quando subia ao tabernáculo, para as festas de Israel. Por essas duas histórias percebo, entre outras coisas, que Deus, em Sua infinita sabedoria, responderá a quem entender que deve responder, da maneira que achar melhor e no momento em que considerar mais oportuno. À minha disposição está o privilégio da audiência que, por si só, já é um grande presente do céu.
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.