Durante seu ministério, era muito comum encontrar Eliseu viajando de um lado para o outro, em Israel, visitando as cidades e principalmente as escolas dos profetas. Por ser o líder espiritual da nação, estabeleceu uma espécie de circuito de viagens, a exemplo de Samuel, e vez por oura passava pelos mesmos lugares, e Suném, a mais ou menos 25 quilômetros do Carmelo, onde provavelmente construíra sua casa, era um desses.
Em uma dessas viagens, foi convidado por uma mulher de posses, que morava sozinha com seu esposo, ambos já de idade avançada. Embora demonstrar hospitalidade para com estranhos fosse um costume comum por aqueles tempos, esse casal passou a receber o profeta toda vez que ele passava por ali. Um dia a mulher, em conversa com seu esposo, decidiu ir além de atender o homem de Deus com uma refeição e um lugar adaptado para descanso. Combinaram que construiriam um quarto, em cima da casa, oferecendo maior privacidade, inclusive, para o profeta e seu servo. Isso evitaria, portanto, a necessidade de Eliseu de procurar uma hospedaria, ou algo parecido, num tempo em que as acomodações eram precárias e muito raras.
Tamanha demonstração de cuidado e gentileza, em forma de hospitalidade, gerou no coração de Eliseu um desejo de retribuir, de alguma forma, a generosidade de sua anfitriã. Mas antes, talvez tivesse a intenção de saber quais eram as verdadeiras motivações daquele casal. Quem sabe precisasse fazer uma espécie de teste para verificar se tudo o que estava sendo oferecido não tinha a intenção de criar em Eliseu uma dívida de gratidão, ou a necessidade de uma troca de favores. Por isso o profeta pediu para seu servo descobrir se havia alguma coisa que eles pudessem fazer por ela. “Somos gratos por sua bondade e seu cuidado conosco. O que podemos fazer por você? Podemos falar em seu favor ao rei ou ao comandante do exército?” (II Rs 4:13).
Eliseu estava disposto a usar de seu prestígio, junto às autoridades locais, e dispõe-se a interceder por ela e esposo, diante das pessoas mais poderosas da região. “Não, respondeu ela. Habito no meio do meu povo e minha família cuida bem de mim” (II Rs 4:13). A resposta da mulher sugere não apenas sua condição social, como também sua boa intenção ao tratar bem o profeta, em sua casa. Dá a ideia de que ela está perfeitamente satisfeita. Demonstra que recebia apoio e proteção de sua gente e não precisava de favores por parte dos governantes, por não viver numa situação vulnerável, como a viúva que solicitara ajuda de Eliseu para impedir que os filhos fossem levados como pagamento de uma dívida que ela não podia pagar. Vivia em paz e feliz. Não tinha desavenças com seus vizinhos, nem questões que precisassem ser resolvidas com seus amigos ou parentes. Tudo parecia estar em ordem. Sua motivação era de fato a melhor. Tinha apenas o interesse de cuidar do profeta, por reconhecer a importância de seu trabalho e pelo desejo, desta forma, de servir também ao Senhor.
Muitas vezes as riquezas tornam as pessoas egoístas e insensíveis às necessidades alheias. Evidentemente não é o caso aqui. Aquela nobre mulher, de Suném, era mais uma dessas Grandes Mulheres, anônimas na história, mas de um coração tão grande que seus feitos não puderam ser escondidos ou olvidados.
Os poucos versos na bíblia que contam sua história, dão mostras de que não vivia para si mesma apenas, mas esforçava-se para tornar a vida de seus semelhantes um pouco mais feliz. Apesar de sua boa posição social, não abria mão de ajudar alguém que estivesse precisando de atenção e cuidado. Com coração altruísta, passou a receber o profeta em sua casa, cuidando para que estivesse sempre o mais confortável possível, de maneira que pudesse descansar um pouco, em suas longas viagens pelo reino. Mas havia algo que a impedia de ser plenamente feliz – ela não tinha filhos!
Ao descobrir esse detalhe, Eliseu tratou de chamá-la para dar-lhe uma boa notícia. Encontrara um jeito de agradecer por tudo que recebera naquela casa. Ainda que não lhe fosse solicitada nenhuma compensação pelo quarto construído e mobiliado, ou por todas as refeições servidas com tanto carinho, daria, com a benção de Deus, uma demonstração de sua gratidão. “Eliseu lhe disse: “Ano que vem, por esta época, você estará com um filho nos braços!” (II Rs 4:16). A notícia foi boa demais para ela. Não podia acreditar. “Não, meu senhor!, exclamou ela. Por favor, homem de Deus, não me dê falsas esperanças” (II Rs 4:16). A exemplo de Sara e Abraão, aquele casal não conseguiu acreditar que pudesse ser verdade – ao menos até perceberem as primeiras evidências da gravidez. Deus estava, de fato, operando um milagre na vida deles, em resposta ao pedido de Eliseu.
Essa Grande Mulher, anônima como outras que já mencionamos aqui, teve sua história registrada no livro dos reis de Israel, pela relevância de seu gesto. Sua generosidade, hospitalidade e altruísmo se levantam como bandeiras esquecidas pelo tempo, lembrando-me de valores que estão cada dia mais distantes do comportamento humano – inclusive o meu. O desprendimento de suas decisões e intenções, vêm ao encontro de minhas motivações egoístas, inclusive no que se refere à minha relação com Deus. Quantas vezes não me peguei negociando com Ele, uma decisão que eu precisava tomar, esperando que Ele me respondesse positivamente a um pedido feito, ou milagre aguardado.
Ao contrário da mulher sunamita, por vezes, e não são poucas, tenho sido tentado a pensar que Deus é uma espécie de empregado meu, que tem a obrigação de me atender as necessidades, no tempo e na qualidade que minha vaidade exige, só porque cumpri alguns requisitos de minha religiosidade. A história dessa mulher se contrapõe ao meu orgulho e me faz entender que preciso, dia após dia, submeter o meu coração ao plano de Deus, e não o contrário. Não sou eu quem deve determinar o agir de Deus. É Ele quem está no comando do Universo. O que faço por Ele deveria ser uma manifestação da minha gratidão por tudo o que Ele já fez. Quanto mais perto eu estiver dessa realidade, mais próximo estarei da felicidade. Quanto mais interessado eu estiver em exigir que Deus demonstre Sua gratidão por tudo o que eu tenho feito, mais próximo estarei do fracasso e da frustração.
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.