Se considerarmos o texto bíblico, a lepra não se limitava à hanseníase, como conhecemos hoje. Vários outros tipos de doenças de pele estavam listadas sob o mesmo diagnóstico, mas era certamente a doença mais temida da época, não só pelo desconforto físico mas também por conta do isolamento social que se impunha a todos que recebiam o prognóstico da contaminação.
Como se não bastasse todo o sofrimento já provocado pela doença, não eram poucos os que atribuíam ao mal sofrido pelo doente a acusação de estarem sob o juízo de Deus, que imputara Sua justiça ao pecador por meio da contaminação, como castigo por seus pecados. Logo, estar leproso era, entre outras coisas, “anunciar” um terrível pecado cometido e a manifestação da “justiça”de Deus.
Sendo assim, qualquer doença de pele deveria ser analisada pelo sacerdote, que a partir de suas observações, declarava a pessoa cerimonialmente impura, e indicava o tempo de quarentena, durante o qual o indivíduo se manteria afastado da família e de todos os demais, afim de evitar a contaminação de outras pessoas.
Ao terminar esse tempo de quarentena, apresentava-se outra vez ao sacerdote, e caso a doença estivesse progredido, causando manchas ainda maiores e erupções na pele, era imediatamente declarado leproso e “condenado a sair de casa e viver na companhia apenas de outros leprosos. Geralmente usavam roupas rasgadas e deviam anunciar, aos gritos de “imundo”, sua passagem por onde andassem, evitando dessa forma que outras pessoas se aproximassem. Nesse contexto encontramos o personagem de hoje. Seu nome? Não sabemos! Mas isso não é o mais importante agora.
O que nos importa, de verdade, é que ele junta toda a coragem de que dispõe e arrisca aproximar-se daquele Mestre de quem todos estão falando. Havia algo de diferente naquele homem. Ainda que pudesse estar considerando as impossibilidades, resolve tentar a alternativa que poderia implicar numa drástica mudança de seu futuro. Mas havia ao menos três obstáculos a serem superados; cada um deles podendo, por si só, anular todo o processo.
Primeiro, aquele homem muito provavelmente tivesse consciência de não haver nenhuma notícia de cura da lepra desde o testemunho de Naamã, centenas de anos antes. Que garantias teria de que seria feliz em sua empreitada? Nenhuma. Em segundo lugar, a crença de que estava sob a sentença da justiça divina talvez fosse o maior impedimento. Poderia Jesus curá-lo? Se era mesmo verdade que estava sendo castigado pelo Eterno, por que, então, Aquele que se apresentava como Filho de Deus, contrariando a vontade do Pai, o livraria de tamanho mal? Terceiro ponto: se a lei cerimonial o declarava imundo, como poderia se aproximar de Jesus sem ser enxotado pela multidão que sempre o acompanhava? As chances estavam quase todas contra ele.
Decidiu abrir mão da lógica e apostar no improvável, quem sabe essa seria sua única alternativa. Aproxima-se, e antes que alguém diga alguma coisa, prostra-se de joelhos e apresenta seu reconhecimento mais sincero: “Se o Senhor quiser, pode me curar e me deixar limpo”. Foi tudo o que ele disse, aliás, em sua opinião, era tudo o que precisava ser dito. Agora era esperar pela resposta – de Jesus, ou da multidão, que a esta altura provavelmente já se preparava para reagir a tamanha manifestação de ousadia.
Como pode? Este homem se mostra ao mesmo tempo corajoso e frágil. Reúne suas forças para enfrentar as impossibilidades, mas diante do Mestre se prostra e se reconhece pequeno e indefeso. Ele sabe quem é. Sabe que, de certa forma, não deveria estar ali; deveria estar isolado da sociedade, junto com outros leprosos, seus pares de sofrimento e tristeza. Reconhece que pode dar tudo errado, mas agarra-se ao fio de esperança, como quem segura uma corda pela manutenção da própria vida. “Se o Senhor quiser…” Ele não sabe quem é Jesus, mas está bem próximo de descobrir…
Dias desses recebi uma mensagem do meu amigo Fábio Duarte, de Brasília. Entre outras coisas, ele me deu um feedback dos devocionais que estava recebendo. Como sempre acontece, o Fábio foi mais uma vez a resposta de Deus às nossas orações. De repente a saudade ficou ainda maior. Pensei em ligar para que viesse aqui em casa, para o almoço do domingo, ou o lanche de sábado à noite, como fizemos uma porção de vezes. Certamente meu convite teria uma segunda intenção escancaradamente declarada. O Fábio faz parte do meu grupo de amigos, separados numa classificação à parte – eles são cozinheiros de primeira linha. Quando estamos juntos fazemos o que há de melhor para ser feito entre amigos: comemos, damos muita risada e fazemos muita bagunça! Às vezes choramos, de tanto rir, ou de coração apertado. Não importa. As fragilidades declaram nossa necessidade de estar junto de pessoas amadas. Quando há respeito e cumplicidade, Deus faz uso desses relacionamentos para nos tornar mais humanos.
Você precisa conhecê-lo. Sorriso aberto, cheio de sonhos, pai e esposo. Outro dia me disse que diante de Deus, a exemplo do personagem da história de hoje, sente-se frágil e totalmente dependente. Reconhece a necessidade de abrir mão do controle e permitir que o Senhor escreva sua história, desenhe o seu futuro e estabeleça a felicidade do seu lar. É dele a indicação musical de hoje, mas é nossa a expectativa de saber que você leitor também decidiu se prostrar diante do Pai, ainda hoje, talvez sob o som desta canção, não porque seja leproso, mas para nos fazer companhia, enquanto juntamos toda nossa coragem para enfrentar a multidão e apostar todas as fichas no improvável. Estou certo de que não sairemos da presença do Senhor do mesmo jeito. Ainda que o milagre que buscamos seja o mais improvável de todos, se Ele quiser, Ele poderá fazer o que nos parece impossível.
No entanto, reconheço que o maior milagre que Deus pode e quer operar é a transformação do nosso coração. Isso nos fará felizes e nos dará, entre outras coisas, condições de descansar em paz, de aliviar nossa ansiedade, por nos permitir perceber que não estamos assim tão soltos…
A sugestão de música para ilustrar nosso Devocional de hoje vem de Brasília, DF, e quem nos enviou foi:
Fábio Duarte
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.