Filiação e Compromisso
““Eu sou o Senhor; este é meu nome! Não darei minha glória a ninguém, não repartirei meu louvor com ídolos esculpidos.” Isaías 42:08
Da minha árvore genealógica, não pude conhecer pessoalmente os meus antepassados além de meus avós, paternos e maternos. Então, minhas lembranças se limitam a três gerações reunidas pelas mais diferentes razões, nunca mais que isso. O mesmo ocorre com meus filhos, ao menos até agora. Costumo dizer que sou membro da maior família do Brasil. Meu sobrenome é Silva, herança do meu avô paterno, Otávio Rodrigues da Silva. Por parte de mãe seria Melo, do vô Teotônio Soares de Melo.
Geralmente temos uma ligação especial com o nome de família. Ele, além de ser o elo que nos aproxima da nossa gente, pode também explicar uma série de comportamentos que adquirimos durante a vida. Encontros que repetimos, ditados que são citados, gestos inconscientemente copiados, só para citar alguns. Quem é que não gosta das refeições, servidas na casa da vó, toda semana, só pela alegria de comemorar qualquer coisa? E quando não tem nada para comemorar, nos reunimos para comemorar a alegria de estar juntos.
Outro dia, precisei usar o transporte público, da minha cidade, durante as festas de carnaval. Entre um bocado de coisas que vi, me chamou a atenção um grupo diferente de foliões que conversavam numa das estações do Metro, por onde passei. Estavam uniformizados. Fui falar com eles. Aquela cena merecia um registro. Me apresentei, expliquei que trabalhava com juvenis e adolescentes numa escola cristã, e queria saber se poderia tirar uma foto com eles. Fui autorizado a fazer o “retrato”.
Fui atraído àquele grupo por conta da estampa que havia na camiseta deles todos. Algo simples, mas significativo para mim. Com imagens que ilustravam motivos carnavalescos, via-se ali estampada a frase “Se não for para falar gritando, nem reúna a minha família!”. Achei aquilo sensacional. Me pareceu muito familiar, afinal, em casa, quando estamos juntos, três, quatro ou cinco grupos familiares, reunidos em torno de uma mesa, tendo o sobrenome como elo de ligação, por exemplo, falamos todos juntos, ao mesmo tempo, de assuntos diferentes e por razões diferentes. É uma festa!
Permita-me criar aqui uma imagem para ilustrar nossa reflexão de hoje. Assim sendo, suponhamos que eu tivesse sido retirado do convívio da minha família original, por qualquer razão, ainda muito pequeno, e na adolescência descobrisse que o casal que cuidou de mim até aquele momento não eram meus pais verdadeiros. Por uma combinação de fatos e eventos acabo me tornando um morador de rua, sem um teto, desabrigado e sem uma família para chamar de minha. Consideremos também a possibilidade de alguém me informar o paradeiro da minha família original, e não apenas isso, mas saber que há muito me procuram e desejam encontrar-me. E mais, saber que investiram muitos recursos nessa busca motivados pelo desejo de me dizerem o quanto me amam e quanta saudade sentiram com a minha ausência.
Nesse ponto da minha história (fictícia), meus verdadeiros pais não estão preocupados em como, ou porque, fui parar nas ruas, quem são meus atuais amigos ou o sobrenome que uso para me identificar. Não estão interessados no que vou pensar a respeito deles, no que os amigos vão dizer da atitude deles, talvez até por conta dos riscos que estariam correndo ao colocar um “estranho” dentro da casa deles. Querem apenas que eu saiba que não houve um único dia que não tivessem pensado em mim. Planejam apenas uma coisa de cada vez, a começar com a possibilidade de me oportunizar um banho quente e uma refeição saudável.
Os dias vão passando, as coisas vão se ajeitando, minha realidade vai mudando e passo a me reconhecer membro daquela família. Percebo a falta que sentiram e o quanto esperaram para estarmos todos juntos outra vez. Naturalmente sou apresentado aos demais, a principio são todos tão estranhos quanto a sensação causada pelas histórias que passam a ser contadas, dos tempos em que eu ainda estava em casa com eles. Alguns dos primos são mais velhos, outros bem mais novos que eu. Os mais velhos riem e choram ao mesmo tempo ao se lembrarem de momentos específicos, vividos antes da minha partida, e os mais novos querem saber o que aconteceu enquanto estive fora, não da minha vida, mas o que todos sentiam enquanto me procuravam.
Percebo que perdi muitas festas de aniversário, muitos passeios e viagens interessantes. Me dou conta que teria sido muito diferente se eu tivesse vivido todos esses anos na companha deles. Sou semanalmente lembrado que a família se reúne para comer e conversar, para celebrar a vida – e agora, por que não, a nova vida! Começo a me sentir tão em casa que a sensação passa a ser de nunca ter estado longe dali. Só há uma coisa que ainda me incomoda: meu sobrenome, ou melhor, meu nome de família!
Quando penso na minha relação com Deus, tenho a clara impressão que algo mais ou menos assim aconteceu. Fui retirado da minha “família original” e passei um tempo da minha vida aos cuidados de quem não tinha o menor amor por mim – muito pelo contrário. Mas ao descobrir as boas novas do evangelho, fui informado de um Pai de amor que não economizou recursos para me encontrar e tentar me convencer de voltar para o meu verdadeiro lar. Não estava preocupado com a sujeira do meu corpo, com a minha aparência ou com o meu passado. Queria curar as feridas e me oferecer a possibilidade de uma vida melhor, e ao receber esse presente do Céu, percebo quão bom teria sido se eu não tivesse passado tanto tempo longe de casa. Mas há algo importante a ser considerado: meu sobrenome, ou melhor, meu nome de família!
Quem me trouxe de volta para casa e me recebeu com carinho é Alguém que diz a respeito de si mesmo “Eu sou o Senhor; este é meu nome! Não darei minha glória a ninguém, não repartirei meu louvor com ídolos esculpidos”. Se estou voltando para casa, Ele certamente me dará o privilégio de ter um novo nome, e este nome me transfere não apenas dignidade e honra, mas também muita responsabilidade.
Portanto, hoje minha oração será: Deus, muito obrigado por me trazer de volta para casa. Obrigado por me receber de volta em casa. Obrigado por me fazer sentir em casa. Obrigado por me reunir a outros Teus filhos, meus irmãos. Obrigado por me lembrar da minha verdadeira filiação, e por me transferir honra e dignidade a partir desse novo nome que recebo. Dá-me forças para viver uma vida à altura das Tuas expectativas. Amém!
A sugestão de música para ilustrar nosso Devocional de hoje vem de Brasília, DF, e quem nos enviou foi:
- Reivellyn Almeida - DF
Marcílio Egídio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Um colecionador de bons amigos.