ESPERA E ESPERANÇA
“Esperarei pelo Senhor, (…) porei nEle a minha esperança.” Isaías 8:17
Não sei você, mas eu sou ansioso. Tenho trabalhado essa questão com mais cuidado, afinal, o tempo vai passando e as experiências da vida vão nos ensinando um bocado de coisas, inclusive os prejuízos de uma ansiedade mal administrada.
Mas já fui daqueles que não suportava a ideia de esperar até chegar em casa pra saber o que havia no pacote que acabara de ser colocado dentro do carro. Pior ainda quando alguém me dizia: “Tenho algo pra te falar, mas não precisa ser agora. Não é urgente. Depois eu te falo!” – Como assim, depois eu te falo!? Em situações como essa, geralmente argumentava com a mesma frase: “Se não era pra dizer, então não devia ter começado”.
Sou acompanhado em minha família por alguns que não conseguem chegar em casa com um calçado que acabaram de comprar na loja. Já fui surpreendido por eles ao pedirem para o vendedor embalar o usado que estavam calçando, e já saírem da loja com “sonhado tênis novo” nos pés. O que é isso? Não sou um profissional da área de saúde mental e emocional, mas acho que este comportamento está ligado à ansiedade.
Talvez a ansiedade tenha se tornado o mal do século por conta do volume de tarefas, compromissos, preocupações e responsabilidades que temos assumido todos os dias.
A facilidade que hoje temos de acessar uma infinidade de informações e instruções de todo tipo, nos tem feito acreditar que podemos assumir o controle de tudo ao nosso redor e dar conta de cuidar até do que não nos interessa. Assim, quando nos vemos dependentes de qualquer pessoa, ou situação, perdemos o chão e ficamos mal.
Tenho comigo que tudo isso se dá, em parte, porque somos limitados ao tempo e espaço que ocupamos na história do planeta e na nossa própria história. Penso que se pudéssemos saber de algo positivo em nossa vida, que ainda pertence ao futuro, isso nos traria um pouco mais de paz. Por outro lado, saber de algo negativo, nesse mesmo futuro, nos faria sofrer ainda mais, por antecipação.
Outro dia ouvia alguém contando que adquirira o hábito de adiantar a leitura de algumas partes do livro só para não sofrer com o enredo. Quando se tratava de uma história, antecipava logo o final para saber o que ocorreria com o personagem principal. Diante das complicações da trama, costumava falar com o protagonista – “Fique calmo, não precisa se preocupar, a página X já está chegando!”
Lembrei dessa história enquanto lia, durante um período de férias, a obra de Victor Hugo – Os Miseráveis. Na edição que li são 1620 páginas, salvo engano. O livro narra a emocionante história de Jean Valjean, um homem que, roubou um pão, e por isso foi condenado a dezenove anos de prisão. Durante as três semanas que passei “viajando” pela França do século XIX, por vezes, e não foram poucas, me peguei olhando páginas à frente para saber se ao menos o nome de Jean Valjean era citado. Quando percebia que ele ainda estava na história, voltava para o ponto que me incomodara e continuava a leitura. Tenho amigos, apaixonados por livros e histórias, que me acusariam de sabotar minha própria experiência de leitura, mas é fato que não pude resistir. Estava ansioso e queria saber se ainda teria a companhia de Jean Valjean na viagem daquelas férias.
Tenho passado por momentos difíceis, e imagino que você também. Por esses dias de pandemia (2020), perdi amigos muito especiais. Também acompanhei a dor de outros amigos que perderam seus entes queridos. Não foi, e certamente continuará não sendo fácil administrar essas notícias. Não vamos nos acostumar nunca com a separação. Não fomos criados para nos despedirmos. Carregamos em nossa estrutura uma partícula da eternidade que nos impede de admitir a saudade.
Também tive sonhos que foram frustrados pela realidade do ano que passou, e por não conseguir enxergar o que estava adiante, principalmente enquanto tentava assumir o controle de tudo, tive problemas com a minha natureza ansiosa e controladora. Precisei desacelerar, arrefecer e reaprender a esperar.
Nosso verso de hoje fala de duas coisas muito importantes, aparentemente simples, e ao mesmo tempo, altamente complexas – espera e esperança (esperar e esperançar). Sua complexidade se dá por estar em constante conflito com a nossa natureza limitada ao tempo e espaço. Elas parecem se contrapor ao nosso desejo de ver feito e de saber o final o quanto antes. Mas esses são atributos divinos e, por essa razão, é tão importante que Ele esteja no controle de tudo. Não saber nada a respeito do nosso futuro pode, e deve, ser encarado como uma benção de Deus.
Gosto de pensar na minha vida como uma obra que Deus tem em Suas mãos. Prefiro pensar, inclusive, que minha história está em um livro que Ele já leu, e cujo final já é de Seu conhecimento. Melhor ainda é poder exercitar a minha fé a ponto de poder ouvir Sua voz, falando comigo, enquanto enfrento os dramas da minha existência. Tal experiência me daria não apenas a possibilidade, mas também o privilégio, de percebê-Lo tentando me acalmar dizendo: “Filho, fica tranquilo. Você não precisa se preocupar. A página X já está chegando!”
Sendo assim, minha oração hoje será: Senhor, ensina-me a confiar plenamente em Ti. Ajuda-me a entregar-te o controle da minha vida. Dá-me a sabedoria de aceitar que estou limitado ao tempo e espaço, e que o melhor do meu futuro será a parte da minha história que eu Lhe permitir escrever. Dá-me a tranquilidade de viver um dia de cada vez, e o privilégio, nos momentos de aflição e angústia, de ouvi-Lo dizer: “Meu filho, por que você está tão preocupado? Acalme-se. A página X está chegando”. Amém!
Marcílio Egídio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Um colecionador de bons amigos.