encorajado
No Senhor me refugio. Como então vocês podem dizer-me: “Fuja como um pássaro para os montes”?
Há alguns detalhes envolvidos no contexto deste salmo que você provavelmente já saiba. Por esta ocasião, Davi já havia sido declarado o futuro rei de Israel, e isso não agradou em nada o rei Saul. Como se não bastasse as honras oferecidas pelo povo após a derrota de Golias, Israel tomara conhecimento de outros feitos do “jovem pastor de ovelhas” que se tornara um grande guerreiro. Do outro lado desta história, a desobediência de Saul fez com que Deus o abandonasse e tornasse claro a promessa de que o trono seria tomado de sua família, e nenhum de seus descendentes se tornaria rei em seu lugar. Ao contrário de Jônatas, seu filho, Saul passou a alimentar um profundo ódio por Davi e decidiu persegui-lo por todas as partes do reino com a intenção de matá-lo.
Nesse meio tempo, enquanto fugia e um lado para o outro, Davi soube que a cidade de Queila estava sob ataque filisteu. Consultou o Senhor para saber o que deveria fazer e foi orientado por Deus a sair em socorro dos habitantes daquela cidade. Davi e seus homens pelejaram contra o exército filisteu e Deus os conduziu a uma vitória esmagadora. O mais interessante é que o povo de Queila decidiu agir de maneira ingrata com aqueles homens que haviam acabado de defendê-los de um ataque inimigo. Com medo do que Saul pudesse fazer com toda a cidade, por causa de Davi e seus homens, decidiram que entregariam o inimigo do rei, na primeira oportunidade que tivessem.
Enquanto Saul se preparava para marchar com um grande exército, na intenção de cercar e destruir Queila, caso Davi não se entregasse, o autor do nosso salmo de hoje foi informado das intenções do rei e orientado a sair de lá imediatamente. Ao dirigir-se para a região montanhosa do deserto de Zife, Jônatas, filho do rei Saul, veio encontrá-lo na intenção de confortar o coração do futuro rei de Israel. Na ocasião o príncipe fez questão, também, de declarar, mais uma vez, sua total lealdade ao futuro rei de Israel. “Não tenha medo”, disse ele, “meu pai não porá as mãos em você. Você será rei de Israel, e eu lhe serei o segundo em comando. Até meu pai sabe disso” (1Sm 23:17). Acredita-se que foi após a visita de Jônatas, seu amigo, e da aliança que firmaram perante o Senhor, que Davi cantou o Salmo 11.
Por que deveria dar ouvidos aos conselhos de quem lhe dizia para continuar sua vida de fugitivo? – pergunta Davi para si mesmo. Provavelmente porque as estruturas, os fundamentos, os princípios sobre os quais se constrói uma nação, e um bom governo, no caso de Israel, haviam sido destruídos sob o governo de Saul. “Numa situação como esta, o justo pouco, ou quase nada, pode fazer além de fugir!” – disseram seus conselheiros. O salmista, no entanto, prefere não acreditar que esta seja a única opção. “O Senhor está no seu santo templo; o Senhor tem o seu trono nos céus. Seus olhos observam; seus olhos examinam os filhos dos homens” (Sl 11:4).
Davi está certo de que nada passa despercebido ao olhar de Deus. Ele sabe que os justos, ainda que sob perseguição, têm um protetor no céu, a quem podem apelar a qualquer momento. Ainda que alguns de seus homens tivessem demonstrado preocupação quanto à segurança de seu pequeno exército, Davi tinha toda a sua confiança depositada em Deus. Ele conhecia o seu Criador.
Acabo de me lembrar de John Knox, o corajoso reformador da Escócia, e sua intrepidez e destemida oposição a Maria, rainha da Escócia. Knox foi um sacerdote Católico Romano que se convenceu de haver erros do romanismo e se tornou o grande líder da Reforma na Escócia. Como resultado desta sua oposição, ele foi compelido a passar 10 meses como um sentenciado numa galé francesa, sofrendo durante este tempo opressão, miséria, e o que ele chamava de tormentos que permanentemente prejudicaram sua saúde.
Uma vez, quando a galé na qual ele navegava estava relativamente próximo da costa da Escócia, achava-se tão doente que poucos tinham esperança de que ele se restabelecesse novamente. Um companheiro, então, pediu-lhe que olhasse a terra e dissesse se a conhecia. Knox respondeu: “Sim, eu a conheço bem, pois vejo a torre com os sinos da igreja onde Deus, pela primeira vez, em público, abriu a minha boca para a Sua glória. E estou inteiramente persuadido de que embora fraco como agora me acho, não deixarei esta vida até que minha língua glorifique Seu nome no mesmo lugar.”
E realmente ele glorificou anos depois, quando pregava contra a “idolatria” com desassombro e sucesso. Ele recordou fatos pitorescos da entrevista e os argumentos com os quais ele tinha enfrentado a rainha Maria, quando chamado à sua presença. Nunca ele se intimidou diante dela ou de outro qualquer; parecia ter as mesmas convicções de Davi. Em sua sala de estudos havia, gravada numa das paredes, a seguinte inscrição: “Estou no lugar onde a consciência me ordena a falar a verdade, e eu a falarei, embora seja quem for, a queira impugnar!”
Em 1571, ano que antecedeu a sua morte, ele refugiou-se por algum tempo em S. André. James Helville descreve como, por causa da sua grande fraqueza, com o auxílio de uma bengala e um assistente, ele lentamente entrava na igreja, e depois era carregado por outros para o púlpito no qual se apoiava. “Mas na hora de começar seu sermão já estava tão ativo e vigoroso que dava a impressão de deixar aquele púlpito em pedaços.” Em sua cerimônia fúnebre, o regente da Escócia disse à grande multidão que se apressou para acompanhar o sepultamento, no cemitério de Sto. Giles: “Aqui jaz o corpo de um homem que em vida nunca temeu a face de homem, que foi constantemente ameaçado pelo punhal e pelo revólver, mas que terminou seus dias com honra e paz”.
Imagino que foi baseado numa confiança inabalável em Deus que Davi decide terminar o Salmo 11 com uma garantia: “o Senhor é justo, e ama a justiça; os retos verão a sua face” (Sl 11:7) – uma expressão bem parecida com aquela que encerra o Salmo 23. Ele sabia, assim como John Knox, que o Senhor jamais deixará desamparado aquele que decide estar ao Seu lado, ainda que as circunstâncias insistam em parecer desfavoráveis. Pense nisso!
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.