De onde você vem?
O Anjo do Senhor encontrou Hagar perto de uma fonte no deserto, no caminho de Sur,
e perguntou-lhe: “Hagar, serva de Sarai, de onde você vem? Para onde vai? ” Respondeu ela: “Estou fugindo de Sarai, a minha senhora”.
Gênesis 16:7,8
Como já era de se esperar, Caim teve suas dificuldades para responder à pergunta que o Senhor lhe fez. Sua tentativa de manter em segredo o crime que cometera não estava funcionando, e ele descobriu rapidamente que não é possível ocultar absolutamente nada do olhar de Deus. Talvez tenha se lembrado, inclusive, de algo que seus pais já haviam avisado: Deus é capaz de saber das intenções do nosso coração!
Deus sabe das nossas reais motivações. Esquadrinha nosso coração, não como um cão farejador, como aqueles que trabalham nos aeroportos, buscando encontrar qualquer coisa que possa nos incriminar, mas como um pai que, com lágrimas nos olhos, revira o quarto do filho, em busca de provas que sejam suficientes para inocentá-lo de uma falsa acusação. Ontem, durante todo o dia, como já era de se esperar, tive a sensação de ouvir o Mestre me perguntando “Marcilio, meu filho, onde está o seu irmão? Onde está aquele de quem você deveria estar cuidando? O que você está planejando fazer para diminuir o sofrimento de alguém?” Você pode até achar que eu esteja exagerando, mas desde as primeiras horas da manhã, os telejornais evocavam o chamado espírito pascal para incentivar os telespectadores a participarem de ações sociais, doando um pouco daquilo que todos têm em casa…
A história de hoje se dá num contexto diferente, embora também muito conhecido. Como nos dois dias anteriores, Deus vai perguntar já sabendo a resposta. Logo, Sua preocupação, mais uma vez, não está na resposta, mas no possível desconforto que ela possa causar. Ele tem a clara intenção de fazer seu interlocutor ampliar o campo de visão para a vida; pretende fazê-la crescer como pessoa; crescer na consciência do plano de Deus, e acho que você já sabe: crescer dói!
Vamos à história. Abrão, certa vez, andou pelos lados do Egito. Ele recebeu por lá alguns presentes, mesmo depois de sua tentativa de enganar o Faraó. Entre esses “agrados”, muito provavelmente estava uma escrava egípcia que foi dada como serva à Sarai, sua esposa. Algum tempo depois, quando Sarai, na intenção de ser mãe e acompanhando um costume muito comum da sua época, teve uma ideia que tinha tudo para dar errado – e deu! Sarai sugeriu que Abrão gerasse um filho para ela com Hagar, sua escrava (Gn 16:2). Aceita a proposta e acertado os detalhes do acordo, Hagar finalmente engravidou, e orgulhosa da possibilidade de dar ao patrão o filho que ele tanto almejava, passou a desprezar sua senhora, que era estéril. Aborrecida, Sarai pede para Abrão tomar as devidas providências. Depois de muita humilhação, Hagar decide fugir, e imagino que tenha tomado a direção do Egito. Mas para onde iria? Talvez nem no Egito ela tivesse mais um lugar para chamar de lar.
Enquanto estava sozinha no deserto, aquela mulher, chamada de serva e escrava na casa de Abrão, e agora mãe solteira, num contexto muito diferente do nosso, recebe uma visita inesperada. A exemplo de Adão e Eva, ou mesmo de Caim, é o próprio Deus quem vem falar com ela. Ao abordá-la, Ele lhe oferece de início a dignidade de ser chamada pelo nome, em sinal de respeito e prova de que a conhecia. “Hagar, serva de Sarai”- foram Suas primeiras palavras – “de onde você vem e para onde vai?”. Imaginando se tratar de alguém comum, Hagar vai responder com o óbvio! Ela está fugindo, como uma criança que acredita ser capaz de sobreviver aos desafios da vida, fugindo de casa com o troco do pão. Mas como já dissemos, não são as respostas óbvias que interessam ao Criador; Ele pretende extrair dela algo que pode mudar sua maneira de enxergar a própria vida e, principalmente, sua relação com Ele, o Senhor.
Max Lucado tem um capítulo em seu livro Buscando Deus na Tormenta, intitulado O Cão de Caça do Céu. Nele o autor fala de um Deus que não medirá esforços e não economizará recursos para se fazer ouvir por Seus filhos. Através de histórias de pessoas como você e eu, Lucado apresenta situações, às vezes até inusitadas, em que o Eterno se apresentou, na intenção de saber algo muito parecido ao que buscava na resposta de Hagar. Em Sua estratégia, Deus não age como uma espécie de GPS tentando descobrir o posicionamento geográfico exato, do ponto de partida. Também não é um inquisidor tentando incriminar sua próxima vítima, e lançá-la na fogueira. É “o cão de caça do céu – um Deus que persegue”, sem descanso, na intenção de salvar!
Ei, filho! De onde você vem? Qual é a sua história? Como foi o seu passado? Onde você estava antes de nos conhecermos? O que te fez ser quem você é? Eis aqui o que imagino que Ele estava querendo fazê-la saber, porque Ele mesmo já tinha todas as respostas. Eis aqui o que Ele segue querendo saber, de mim e de você, acredite, não porque já não saiba o que vamos responder, mas na expectativa de provocar um desconforto tal, que nos faça repensar a decisão de oferecer respostas óbvias. Meu passado não Lhe interessa no sentido de ser útil ao meu futuro, mas da expectativa de quem pretende mostrar quanta coisa boa foi anexada à minha história, desde que O conheci. Sua intenção é me fazer enxergar que, embora o mundo continue imperfeito, cheio de injustiças e sofrimento, tenho agora ao menos uma esperança que antes eu não tinha. Seu desejo é me tornar cada vez mais consciente de que fui alcançado pela Graça, chamado “da escuridão para Sua maravilhosa luz”, e que há uma urgente necessidade de crescer – e considerando as perguntas que Ele mesmo está me fazendo, percebo que crescer dói, mas é necessário e recompensador!
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.