Ainda manténs a integridade?

“Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre.”  

Jó 2:9

Como vimos, as intenções de Satanás foram frustradas. O comportamento de Jó depôs contra seus argumentos e desmascaram o Inimigo em sua tentativa de macular o caráter de Deus. Quando imaginou que Jó logo amaldiçoaria a Deus e O culparia pelos males ocorridos, não contava com as respostas do patriarca. Sua expectativa foi anulada pelo ato de adoração de Jó, afinal, o patriarca, ainda que fosse um ser humano imperfeito, se negara a ceder aos encantos de uma vida de aparente felicidade sob o domínio do anjo caído.

A decisão de Deus em definir Jó como um homem íntegro e reto não implicava necessariamente em absoluta ausência de pecado. A expressão está ligada ao fato de ser Jó um cidadão de bem, que desenvolvia uma vida de plena comunhão com Deus e coerência em seu modo de agir. Ainda que o autor bíblico tivesse dado a ideia de perfeição ela estaria limitada às possibilidades de Jó, e não no mesmo patamar dos seres que não foram infectados pelo pecado. As expressões usadas devem nos fazer pensar na devoção deste ser humano que foi chamado para ser uma testemunha de defesa do Eterno. Sua decisão de fazer a vontade de Deus não o impediam de sofrer com suas lutas pessoais e sua natureza pecaminosa. Integridade e retidão, aqui, se referem, isto sim, ao grau de desenvolvimento alcançado por alguém que decidiu ser o que o Céu espera que seja em determinado momento da vida. Refere-se à decisão de ser hoje um pouco melhor do que ontem, e amanhã melhor do que hoje. A perfeição plena, e total ausência de pecado, no entanto, só será possível ao ser humano numa outra realidade, quando o pecado for definitivamente eliminado por Deus. Esta é a realidade do homem que perdeu tudo, inclusive a saúde, mas ainda assim, preferiu louvar ao Senhor, mesmo enquanto utilizava um caco para raspar as feridas que tomaram conta de todo o seu corpo.

Diante de um quadro como este, ou algo parecido, até porque nunca chegamos a uma realidade exatamente igual, temos sempre a sensação da necessidade do apoio de gente que nos acompanha na vida. Conforto e consolo é o que esperamos receber de pessoas que nos são caras e que, em algum momento, se mostraram leais e dispostas a ajudar. Em A anatomia de uma dor, C. S. Lewis escreveu: “Há uma espécie de véu entre o mundo e mim mesmo. Custa-me assimilar o que qualquer pessoa diz. Ou talvez, o mais difícil seja querer assimilar. Tudo é tão pouco interessante, no entanto quero que os outros estejam ao meu redor. Tenho horror quando a casa está vazia. Ah, se eles conversassem uns com os outros e não comigo!”

Acompanhando esse raciocínio, o melhor que talvez tenha acontecido a Jó, logo após às suas terríveis perdas e o surgimento das chagas em seu corpo, foi a semana que passou na companhia de seus três amigos, enquanto eles se mantiveram em completo silêncio. Ofereceram companhia e atenção, mostraram solidariedade e empatia, mesmo sem dizer absolutamente nada. A esposa de Jó, no entanto, seguiu na direção contrária. Diante do sofrimento do esposo, ela parece revelar exatamente as intenções de Satanás: “Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra! “(Jó 2:9). Em outras palavras, ela faz a mesma sugestão que costumamos repetir para nós mesmos, quase sempre, quando nos vemos contrariados com as respostas de Deus à nossa suposta devoção. Vez por outra nos perguntamos “Que benefício minha virtude tem me oferecido? De que valeu ser fiel e leal a Deus? Se Ele prometeu tanta coisa, por que não recebi o que pedi? Por que Ele não evitou essa minha perda tão grande? Que diferença faz andar com Ele ou sem Ele? Mesmo sem perceber, estamos reverberando o argumento do Inimigo: “Deus não é justo, e não vai adiantar de nada fazer a nossa parte. Daria no mesmo se eu amaldiçoasse a Deus e sofresse as consequências”.

Já parei para pensar nisso tudo. Pensei na possibilidade de estar apenas repetindo o discurso de Satanás e reagir exatamente como ele esperava que eu fizesse. Fui estimulado a ouvi-lo dizer “Você ainda mantém a sua integridade?” não do ponto de vista de quem deveria estar satisfeito por se manter leal a Deus, mas sob o prisma de quem, chateado com a realidade enfrentada, preferiu culpar o Criador pelas batalhas que estava enfrentando. Minha natureza pecaminosa não pode ser admitida como desculpa para reagir de forma tão leviana e insegura. Não posso aceitar tão facilmente as sugestões de quem só quer afetar o coração de Deus com a minha destruição. Não posso permitir que o nome do Senhor seja desonrado por conta da minha visão limitada e comprometida pelo meu egoísmo e minha vaidade. Não posso admitir para mim o comportamento infantil de uma criança birrenta, que prefere jogar-se no chão e gritar feito maluco só para chamar a atenção de Deus.

“Você ainda mantém a sua integridade?” Espero, sinceramente, que sua resposta, a exemplo de Jó, continue sendo sim, não pelo benefício de poder barganhar com Deus privilégios e presentes, mas por admitir sua soberania e autoridade, por reconhecer que se temos recebido de Deus o bem, por que não aceitaríamos, também, a Sua decisão de nos permitir enfrentar o mal?

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.