DEVOCIONAL - T2 | E18

Água e gelo

 

Mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam.” Isaías 40:31

Me tornar membro do Clube de Desbravadores foi uma das decisões mais acertadas da minha adolescência. E quando digo isso não estou exagerando nem um pouco. Esse ministério me apresentou alguns dos melhores amigos que alguém pode ter em toda a vida; me ajudou a conhecer minha companheira de jornada, com quem estou casado há 24 anos; e me permitiu conhecer os lugares mais interessantes que já visitei. Por causa do clube decidi me tornar um pastor,  e sou grato a Deus por me permitir, ainda hoje, ser desbravador.

Das atividades mais interessantes que planejávamos em nosso clube, as caminhadas sempre tiveram um atrativo especial para mim. Eram atividades ao ar livre, geralmente por trilhas muito bem selecionadas, com diferentes níveis de dificuldade.

 Havia aquelas mais curtas, mais simples, que visavam treinar e aguçar o desejo de novos desafios.Também havia aquelas mais longas, mais complexas, destinadas aos mais aventureiros, preparados para desafiarem a si mesmos e seus próprios limites. Todas elas, no entanto, tinham o seu encanto particular, algumas vezes pela paisagem, outras pela alegria de estar em meio à natureza com amigos amados.

As caminhadas não exigem conhecimentos específicos e qualificações muito complexas. Não cobram de seus praticantes, principalmente dos iniciantes, um alto grau de habilidade ou equipamentos excessivamente caros. Basta, aos que estão começando, terem a prudência de começar aos poucos, de maneira equilibrada, e irem fazendo um registro de suas experiências, visando não incorrer nos mesmos erros, toda vez que saírem para caminhar.

Mas algumas pequenas sugestões sempre foram muito importantes. Nem sempre eram levadas a sério pelos novatos mais afoitos e eufóricos. Nada que comprometesse a segurança de alguém ou do grupo, mas que sabotavam seriamente a qualidade do passeio de quem olvidasse os conselhos. Coisas simples como evitar calçados novos, que ainda não estivessem totalmente adaptado aos pés; um ou dois pares de meias a mais, para serem trocadas no percurso; o mínimo possível de peso e, claro, água suficiente para todo o trajeto. Quase posso reviver a sensação de descanso e alívio, quando em caminhadas mais longas, eu podia parar para descansar, lavar os pés com um pouco de água fria, deixá-los respirar um pouco enquanto secavam, e depois calçar meias limpas…! Simples assim, porém tremendamente revigorante. Incrível o efeito da água fria na recuperação muscular. 

Tenho um amigo que pratica triatlo. Ele já participou, inclusive, de algumas edições do Ironman, uma modalidade esportiva, criada no Hawai, e que compreende 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida. Parte da estratégia de descanso e recuperação deste meu amigo, após os treinos ou provas, consiste em ficar com as pernas submersas num barril com água e muito gelo. Isso mesmo. Água e gelo!

O profeta Isaías no capítulo 40 de seu livro, trás um dos versos mais conhecidos da bíblia: “Os que esperam no Senhor”, diz o verso 31, “correm e não se cansam, caminham e não se fatigam”. Como seria isso possível em tempos tão loucos quanto os que estamos vivendo? Como poderia ser tão simples assim? Bastaria esperar no Senhor e não teríamos nenhum tipo de problema, nenhum desafio a superar ou contratempo para ser administrado? O que dizer, então, dos dias em que vamos dormir tão cansados e tão desanimados, que oramos a Deus pedindo que outro dia como aqueles não se repitam nunca mais em nossa vida?

Prefiro pensar no verso de hoje não como uma promessa de que jamais me sentirei cansado, não importando a distância que será percorrida na caminhada que escolhi, mas como uma lembrança de que, em algum lugar, o próprio Deus estará me aguardando para oferecer-me água limpa e fresca, para lavar os pés, recuperar a musculatura e continuar desfrutando da paisagem que Ele me permitiu acompanhar. Prefiro pensar no cansaço como uma lembrança do desafio que é manter-me firme no propósito de servi-Lo; prefiro pensar na fadiga como um reforço da importância de esperar pela Sua chegada, com um par de meias limpas, um cantil de água gelada e uma camiseta seca, para me entregar.

Meu amigo, aquele do Ironman, vai ao limite de suas forças para completar uma prova tão extensa. Prometeu, outro dia, que não competiria mais – não resistiu. Está treinando para uma edição do Ironman que fará ainda este ano. Tenho certeza que se eu lhe perguntasse se vale a pena tudo isso, todas essas horas de treinos e prova, ele certamente me diria que não há sensação melhor que a de passar pelo pórtico de chegada, mesmo depois de ter superado o cansaço, a fadiga e a dor. Imagino que enquanto se recupera, fique pensando em quão extenuante foi a prova, mas penso que já vai, ao mesmo tempo imaginando quando, e como, será a próxima, mesmo que essa emoção tenha de ser vivida, enquanto ainda descansa, dentro de um barril cheio de água e muito gelo.

Minha jornada, e talvez a sua, não tem sido muito fácil. Tenho minhas lutas, claro, minhas dificuldades. Já tive alguns sonhos frustrados. Já perdi gente muito querida. Já me decepcionei com as pessoas; já me decepcionei comigo mesmo, e já decepcionei pessoas que me amam. Já estive cansado o bastante para querer desistir; fatigado a ponto de não aguentar mais. Descobri, no entanto, que nos momentos mais difíceis, permaneci cansado por opção própria, simplesmente por olvidar os conselhos que me foram dados antes da caminhada começar. Descobri que optei por fazer tudo do meu jeito e dessa forma sabotar a experiência enriquecedora que estava à minha frente. Mas o Eterno esteve sempre lá, com água fria e um par de meias limpas e secas. Por vezes preparou um barril com gelo por saber que seria de fundamental importância para recuperar a minha “musculatura”; mas eu decidi não esperar pelo Senhor.

Hoje, minha oração será: Deus, obrigado por não desistir de mim. Obrigado por carregar, infinitas vezes, todo o equipamento de apoio que necessitei para completar a prova. Obrigado por me aguardar em todo ponto de descanso, com água e pão, suficientes para recuperar minhas energias e renovar as minhas forças. Obrigado por me lembrar, no verso de hoje, que mesmo sendo a prova longa e extenuante, esperar em Ti, por si só, já é confortante e especial. Dá-me condições de aproveitar melhor a paisagem, de desfrutar melhor as experiências que me permites viver, e desfrutar em Ti, o descanso que tanto procuro, ainda que seja dentro de um barril com água e muito gelo! Amém.

Quem Escreve:

Marcílio Egídio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Um colecionador de bons amigos.