Admirado
“Senhor, Senhor nosso, como é majestoso o teu nome em toda a terra! Tu, cuja glória é cantada nos céus.” Salmo 8:1
Este salmo, “um poema lírico breve e primoroso”, como o definiu C. S. Lewis, pode muito bem ser visto como uma revelação da majestade de Deus não apenas na natureza, mas também na vida do ser humano. Escrito por Davi, muito provavelmente sob o céu de uma noite estrelada, dá claro testemunho de que o poeta hebreu não via a natureza como um fim em si mesma. Como declarou Ellen. G. White, “a Natureza e a Revelação dão testemunho do amor de Deus. Nosso Pai celestial é a fonte de vida, sabedoria e felicidade” – diz ela. Ampliando a ideia do salmista, ainda nos convida a olhar “para as coisas maravilhosas e lindas que há na natureza” e observar “como, de forma surpreendente, elas se adaptam as necessidades das pessoas e de todos os seres criados”. Outros detalhes, que passamos a não considerar tão importantes assim, também são mencionados. O brilho do sol e a chuva, que trazem vida e frescor ao solo, o contorno das colinas, a vastidão e riqueza dos mares, o encanto das planícies, “tudo isso nos fala do amor do criador. É Deus quem supre as necessidades diárias de todas as suas criaturas”1 – conclui.
Como se percebe claramente, este poema nos apresenta uma imagem dos sentimentos que tomam conta do coração de quem o escreve. Nele, o poeta contempla, tomado de admiração, as obras de Deus na natureza, e diante da vastidão observada por seus olhos, percebe insignificância do ser humano. No entanto, sua descrição e encantamento estão limitados ao que ele consegue enxergar. Hoje, um pouco mais de três mil anos depois, com as descobertas da astrofísica e da conquista do espaço, tendo à sua disposição os espetaculares telescópios e as imagens de satélites, para ampliar sua visão, Davi ficaria ainda mais espantado.
Contudo, o salmo também chamado de “um salmo de louvor da dignidade do homem”, assim que se dá conta de tudo que está diante de si e das dimensões de tudo isso em relação ao homem, o salmista reconhece a verdadeira dignidade do ser humano. Imagino-o, deitado de costas no chão, olhando para o céu e falando alto, consigo mesmo: Quando olho para o céu e contemplo a obra de teus dedos, a lua e as estrelas que ali puseste, pergunto: Quem são os simples mortais, para que penses neles? Quem são os seres humanos, para que com eles te importes?” (Sl 8: 3-4). Suas conclusões, porém, não param por aí: “no entanto, os fizeste apenas um pouco menores que Deus e os coroaste de glória e honra. Tu os encarregaste de tudo que criaste e puseste sob a autoridade deles todas as coisas” (Sl 8:5-6). Percebe que Deus deu ao homem a responsabilidade e o privilégio de representá-Lo, criando-o um pouco menor do que Ele mesmo, dando-lhe autoridade sobre todas as coisas.
Este poema incrível continua nos apresentando o contraste da situação do ser humano. Se de um lado ele deixa claro a pequenez do homem, se consideradas as dimensões do universo, por outro, apresenta a sua grandeza quando observado o valor que o Criador atribui à humanidade. Pequeno demais para ser visto como algo importante, num universo de dimensões astronômicas; grande demais, para ser desprezado, ou mesmo esquecido, por conta do alto valor e honra que lhe foram atribuídos pelo Eterno. Não é de surpreender que o salmista, impressionado com a elevada posição que o ser humano tem no universo, exaltasse a excelência do seu Criador. Esta, certamente é a razão pela qual o salmo começa e termina com a mesma sentença: “Ó Senhor, nosso Senhor, teu nome majestoso enche a terra; tua glória é mais alta que os céus!” (Sl 8:1).
Uma rápida lembrança, porém, da semana da criação nos levaria ao momento em que Deus declara Sua intenção de criar o homem à Sua imagem e semelhança, coroado de glória e honra, dotado de privilégios que atribuíam grande dignidade e valor; mas as coisas começam a sair do rumo quando o casal, aceitando a proposta da “serpente”, decide ser “igual a Deus”. Hoje, insistimos em nos achar grandes em áreas da vida onde deveríamos reconhecer que somos pequenos; insistimos em nos imaginar pequenos demais exatamente onde deveríamos nos considerar grandes e dignos. Temos sido tentados a nos afastar cada vez mais do plano original e inverter a ordem estabelecida pelo Criador. Assumimos uma postura inadequada em relação à Natureza e nos tornamos reféns de suas manifestações de força, resultante das alterações que provocamos no equilíbrio de todo o sistema; brincamos de ser Deus, quando a tarefa de representá-Lo já era um privilégio maior do que merecíamos, e como resultado, estamos perto de perder o controle daquilo que nos foi sujeitado.
Por outro lado, ao nos afastarmos do plano ideal de Deus, aceitamos a proposta de eliminar o que ainda resta da “imagem e semelhança de Deus” na humanidade. Andando pelas ruas, e já não importa mais a hora do dia, ou da noite, nos deparamos com nossos irmãos, outros filhos de Deus, desfigurados, abandonados, famintos e destruídos, exatamente porque deixamos de lado a consciência de que Ele nos criou “um pouco menor do que os anjos”. Mas essa imagem não está diante de mim apenas quando olho através dos vidros, geralmente fechados, do automóvel que me serve como transporte. Geralmente encontro alguém assim, querendo ser grande onde deveria considerar-se pequeno, e totalmente desfigurado, abatido e destruído, quando deveria considerar-se alvo do amor e da misericórdia de Deus. Como disse aqui mesmo outro dia, quando esse encontro acontece, estou olhando no espelho!
(1) WHITE, Ellen G. Caminho a Cristo. Tatuí, SP:Casa Publicadora Brasileira, 2017
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.