Ação e Processo

“O homem, porém, saiu e começou a contar a todos o que havia acontecido. Por isso, em pouco tempo, grandes multidões cercaram Jesus, e ele já não conseguia entrar publicamente em cidade alguma. E, embora se mantivesse em lugares isolados, gente de toda parte vinha até ele.  Marcos 1:45

Permita-me insistir um pouco mais na história desses últimos dias, por favor. Penso haver tanta informação na cena desse milagre que não posso me permitir passar algumas delas por alto, sem considerar seus detalhes.

Como dissemos, entre as barreiras que se impunham ao leproso criando as impossibilidades de se apresentar diante do Mestre, estava o fato de sua doença ser vista, por boa parte da sociedade judaica de sua época, como um castigo de Deus. Considerando essa questão combinada ao fato de Jesus apresentar-se como Filho de Deus, o leproso poderia, então, receber não apenas uma resposta negativa como também a confirmação da condenação por seus pecados. 

Essa história de pecado, culpa, doença e castigo era levada tão a sério que alguns chegavam a afirmar que a causa de uma criança nascer cega já era um castigo antecipado pelos pecados que cometeria durante sua vida. Assim, numa sociedade como essa, um leproso era quase que um exemplo da maneira como Deus tratava aqueles que insistiam em ser desobedientes.

Olhando a história do leproso por esse aspecto, é possível pensar que ele, como tantos outros que pediram para ser curados por Jesus, também estivesse em busca de perdão. Entre outras coisas, esperava poder voltar para casa de cabeça erguida, sem ser encarado como um pecador imundo, sem a menor possibilidade de perdão. Almejava receber um abraço também de sua família, de seus filhos, talvez. Tinha a esperança de poder recomeçar uma nova vida, a partir de uma nova chance. Quando leio esta história, imagino que Jesus, sensível como era ao sofrimento humano, conhecedor dos costumes da época e interessado em mudar as percepções de seus contemporâneos, ao dispor-se a curar aquele homem, também tem interesse de fazê-lo sentir-se perdoado.

Mas afinal, como poderíamos definir o perdão? Qual a necessidade dele para a minha vida? Qual a sua importância nas relações humanas e no meu relacionamento com Deus? O perdão de Deus seria semelhante, ou igual, ao meu perdão?

O dicionário define perdão como remissão de pena, ofensa ou dívida; desculpa, indulto. Também diz ser um ato pelo qual uma pessoa é desobrigada de cumprir o que era de seu dever ou obrigação por quem competia exigi-lo. Palavras como remissão de culpas e pecados, desculpa, absolvição, remissão, indulto,  escusa,  indulgência, misericórdia, isenção, expiação, graça, mercê, anistia e vênia também são listadas como sinônimos.

Há entre nós aqueles que acreditam que perdoar é esquecer para sempre a ofensa em questão, mas há também aqueles que dizem não ser possível simplesmente esquecer o mal que sofreram. Particularmente admito que só há um ser no Universo capaz de perdoar e esquecer, e Ele é Deus! O único capaz de limpar completamente o registro de uma ofensa e fazer questão de não lembrar do ocorrido é Aquele que tem o amor como parte de Sua essência. Gosto de pensar que para Deus o perdão é uma ação – tão logo Ele decida perdoar, Ele assim o faz e simplesmente apaga qualquer registro que se tenha do fato ou evento.

Nós seres humanos não estamos nesse nível. Para nós o perdão é um processo que pode até ser iniciado com o pedido de perdão, mas o registro continua lá, guardado e acessível. A participação do ofensor nesse processo pode definir quanto tempo o registro ainda terá toda sua força em nossa lembrança. Segundo Augusto Cury, famoso psiquiatra e escritor, o registro de um evento traumático, e penso que uma grande ofensa esteja nessa lista de eventos, não pode ser simplesmente apagado da memória, mas pode ser substituído por um outro semelhante que nos traga alegria e prazer. Assim, quanto maior a disposição de quem ofendeu em demonstrar o desejo de mudança no comportamento, ou de reparar o erro, maiores serão as chances da mágoa ser substituída por um sentimento de alegria e felicidade em relação à pessoa envolvida.

Outro detalhe interessante é o fato do Mestre aconselhar a parte ofendida a iniciar este processo. Seu conselho foi bem específico: “Se um irmão pecar contra você, fale com ele em particular e chame-lhe a atenção para o erro. Se ele o ouvir, você terá recuperado seu irmão”. (Mateus 18:15) Tal conselho revela outra grande lição: a iniciativa do perdão, em relação aos nossos pecados, sempre será de Deus. Paulo nos lembra, ao escrever aos romanos, que “Deus nos provou seu grande amor ao enviar Cristo para morrer por nós quando ainda éramos pecadores” (Romanos 5:8).

Conheço o Charles desde que era menino. Hoje ele já está casado, vive e administra suas responsabilidades de pai e esposo. É dele a indicação musical deste devocional. Me disse outro dia o quanto essa música fala ao seu coração. Disse ter feito dela a sua prece mais constante. A sensação que temos, porque me junto ao Charles nesse pensamento, é que estamos sempre dependendo da graça e em busca de perdão. Temos constantemente ofendido a Deus e ao próximo, com nossas ações e decisões equivocadas.

Tenho consciência de que nada fiz para merecer perdão de Deus, mas a exemplo do que fez Jesus, colocando-Se no caminho, ao alcance do leproso, afim de oferecer-lhe perdão, o Criador continua tomando a iniciativa para oferecer-me o benefício da graça e da misericórdia. Sua expectativa, no entanto, é não apenas  perdoar-me, mas desenvolver em mim o desejo de dispor-me a perdoar também. Preciso compreender melhor a minha parte nesse processo, tanto do ponto de vista de quem foi ofendido, como de quem ofendeu. A oração modelo é exemplo desse desejo de Deus. “Perdoa as nossas ofensas, assim como temos perdoado a quem nos tem ofendido, Senhor!”, é o pedido e a promessa que fazemos.

Não há dúvidas de que carecemos do perdão de Deus. Também não há dúvidas que Ele está disposto a perdoar e esquecer. Tenho consciência da minha necessidade de perdoar e ser perdoado pelos meus irmãos, e também não tenho dúvidas da minha parte nesse processo. Agora, basta-me pedir forças a Deus e tornar esse meu desejo em realidade.

A sugestão de música para ilustrar nosso Devocional de hoje vem de Guarulhos, SP, e quem nos enviou foi:

Charlles Nascimento

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.