Mais um na multidão

“De madrugada, voltou novamente para o templo, e todo o povo ia ter com Ele.”  João 8:2

Com o texto de hoje, voltamos à cena dos fatos ocorridos na manhã do último dia da Festa dos Tabernáculos. É importante lembrar que Jesus sabia da intenção dos fariseus e mesmo assim não abriu mão de voltar ao Templo e assentar-se para ensinar a multidão que novamente se formou. Voltou ao mesmo lugar, mesmo sabendo que os sacerdotes planejavam encontrar uma forma de prendê-lo. Apesar das ameaças, lá estava Jesus, assentado, ensinando. Como vimos, Ele não tinha tempo a perder. 

Como escreveu Ellen G. White, “o verdadeiro ensinador não se satisfaz com trabalho de segunda ordem. Não se contenta com encaminhar seus estudantes a um padrão mais baixo do que o mais elevado que lhes é possível atingir. Não pode contentar-se com lhes comunicar apenas conhecimentos técnicos, fazendo deles meramente hábeis contabilistas, destros artistas, prósperos homens de negócio. É sua ambição incutir-lhes os princípios da verdade, obediência, honra, integridade, pureza – princípios que deles farão uma força positiva para a estabilidade e o reerguimento da sociedade”.

Por esta razão, arriscou-se a voltar ao Templo e permaneceu ali, oferencendo o melhor de si a Seus discípulos e à multidão que se juntou para ouvi-Lo mais uma vez. Como vimos esta semana, Ele não estava indiferente às circunstâncias, por isso decide aproveitar a ocasião para ensinar outra grande lição aos grupos envolvidos e representados. Sabe que há muitos entre a multidão que são sinceros de coração, e vai encontrar uma forma de alcançá-los. Vai ensinar aos discípulos um princípio norteador do cristianismo. Mostrou aos acusadores que havia falhas no processo que eles estavam defendendo, e de maneira discreta, e sem alarde, tornou-os conscientes de seus erros. Falou ao coração dos pecadores, olhando nos olhos e acessando a alma.

Imagino que a multidão foi tomada de surpresa com o desfecho da situação. Creio que houvesse entre os espectadores aqueles que passaram a torcer pelo apedrejamento. A multidão é assim, sempre foi. Ela junta pessoas com cosmovisões diferentes, com interesses diferentes. O grupo que seguia Jesus, também era composta de gente que não queria compromisso nenhum com as verdades que Ele apresentava. Quem sabe houvesse ali, na multidão, um grupo que passara a acompanhar Jesus por se tratar do assunto do momento, e teriam Seu nome estampado em camisetas e bonés, apesar de não mostrarem nenhum interesse em assumir responsabilidades reais com Ele.

Também acompanham a multidão aqueles que nem sabem porque estão ali. Simplesmente vão se amontoando aos que já estavam, na expectativa de tirarem algum proveito daquela aglomeração, ou movidos puramente pela curiosidade. Estes geralmente vão reagir exatamente como a maioria, sem o menor critério ou consciência do que estão fazendo. Imagino que muitos desses estariam mais tarde, entre os que insistiam no pedido da condição de Jesus.

O Mestre, no entanto, não está necessariamente preocupado com esses detalhes. Sua disposição de ensinar e salvar, de apresentar o poder transformador da graça, o leva a valer-se da oportunidade e apresentar a mesma instrução a todos. Ele mesmo, centenas de anos antes, já havia dito através do profeta Isaías: “Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, sem que primeiro reguem a terra, e a fecundem, e a façam brotar, para dar semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Is 55: 10 e 11). De alguma forma, cada um daqueles que se propuseram assistir toda a cena, não importando as razões que os levaram até ali, não voltaram para casa como chegaram. O desfecho daquela história seria lembrado para sempre.

Dia desses comentava com os alunos, no Colégio onde trabalho, minha impressão quanto a multidão de seguidores do cristianismo. Nunca vi, nesse meu quase meio século de vida, tanta gente manifestando sua gratidão a Deus pelos mais diferentes motivos. E eles estão por toda parte. Estão nas redes sociais, estão nos programas de TV e nos eventos esportivos. Sua gratidão é demonstrada nas entrevistas, nas comemorações dos gols marcados e nas conquistas pessoais. Nunca se falou tanto de Jesus Cristo como nesses últimos tempos.

O mais curioso de tudo, no entanto, é que nunca estivemos tão distante do ideal proposto por Cristo como agora. Tenho dificuldade de enxergar os ensinamentos do Mestre no comportamento dos meus compatriotas, nascidos e criados num país majoritariamente cristão, quando vejo as notícias que envolvem pessoas furando a fila para receberem a vacina antes dos cidadãos listados nos grupos de maior risco – para dar um único exemplo. Há ainda hoje, no meio da multidão, um grupo considerável de seguidores de Jesus Cristo, que se orgulham de ostentar os símbolos do cristianismo, estampados na roupa ou na pele, mas que não têm o menor compromisso com o Eterno. Ainda que o discurso se alinhe com o ideal, o procedimento, as ações e as decisões apontam para uma direção totalmente oposta.

Às vezes me vejo representado por esse grupo. Por vezes me pego olhando de maneira insensível para o meu irmão à margem da sociedade, que vive abaixo da linha da miséria, sem esboçar por ele o menor sentimento de fraternidade. Não foram poucas as noites em que me assentei diante dos telejornais como mero espectador da desgraça alheia, acompanhando, na tranquilidade da minha casa, o sofrimento de famílias inteiras, sem ao menos interceder por elas em minhas preces antes de dormir. Quantas vezes, não esperei que Deus julgasse, sem misericórdia, aqueles que julguei serem meus inimigos, mesmo antes de conceder-lhes o direito de apresentarem suas justificativas.

As lições daquela manhã foram para mim, ainda que estivesse na multidão, apenas por curiosidade, ou seguisse Jesus Cristo com indiferença. A intenção do Mestre, sabendo que Suas palavras nunca voltam vazias, era preencher o meu coração com a Sua graça e me tornar um ser humano melhor, capaz de enxergar no outro o mesmo valor que o Céu atribui a mim mesmo. Seu plano era me ajudar  a entender, que em tempos de pandemia, por exemplo, não podemos abrir mão da humanidade, mesmo quando buscamos por imunidade. Se eu estivesse lá, quem sabe Ele não teria olhado para mim, na esperança de que eu me dispusesse a oferecer a minha capa para cobrir a nudez daquela mulher…

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Marcilio Egidio

Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.