Não sei você, mas quando era menor eu sempre imaginei que os heróis da bíblia eram personagens com vidas perfeitas; tão perfeitas que fizeram deles pessoas dignas de serem escolhidas por Deus para missões especiais. Ainda que uma parte ou outra da história tivesse algum problema para ser solucionado, eu pensava, esse é só um detalhe para tornar o relato ainda mais interessante.
Com o passar do tempo percebi que não era bem assim. Todos eles, sem excessão, tinham suas lutas diárias como eu, e alguns até mais. A diferença estava sempre no tempo em que viveram. Não tinham, claro, de enfrentar o trânsito maluco, como eu, para chegar todo dia ao trabalho, não correram o risco de alguém pisar justamente no dedo machucado do pé, dentro do ônibus lotado, no dia em que tudo estava dando errado. Mas tinham suas lutas, e certamente não eram poucas. Hoje tenho uma lista particular de heróis bíblicos no coração, inclusive uma seção que costumo chamar de “Heróis Improváveis”. Improváveis não no sentido de ser invenção, ou uma afirmação que não se pode provar, mas improvável no sentido de não haver, a princípio, e dentro das expectativas mais comuns, a probabilidade de acontecer. Deixe-me explicar através de um exemplo.
Abraão, certa vez, andou pelos lados do Egito e lá recebeu alguns presentes do Faraó. Outros detalhes desta história, especificamente, trataremos num outro momento, mas o fato é que entre os presentes que ele recebeu por lá, muito provavelmente estava uma escrava egípcia que foi dada como serva à Sara, esposa de Abraão. Algum tempo depois, quando Sara, na intenção de ser mãe e não confiando na promessa de Deus, teve uma ideia que tinha tudo para dar errado – e deu!
Sara sugeriu que Abraão gerasse um filho para ela com Hagar, sua escrava (Gn 16:2). Aceita a proposta e acertado os detalhes do acordo, Hagar finalmente engravidou, e orgulhosa da possibilidade de dar ao patrão o filho que ele tanto almejava, passou a desprezar Sara, que era estéril. Aborrecida, Sara pede para Abraão tomar as providências. Depois de muita humilhação, Hagar decide fugir. Imagino que tenha tomado a direção do Egito. Mas para onde iria? Talvez nem no Egito tivesse mais um lugar para chamar de lar.
Enquanto estava sozinha no deserto, aquela mulher, chamada de serva e escrava na casa de Abraão, e agora mãe solteira, num contexto muito diferente do nosso, recebe uma visita inesperada. Alguém muito especial, identificado como o “Anjo do Senhor” a chama pelo nome. Isso mesmo, um estranho que ela nunca tinha visto, lhe oferece de início a dignidade de ser chamada pelo nome, em sinal de respeito e prova de que foi reconhecida. Por tudo que acontece na sequência desta história, podemos crer que o “estranho” identificado como Anjo do Senhor era o próprio Deus. Era o Criador quem falava com aquela mulher, escrava, fugitiva, grávida do patrão e humilhada pela patroa! Certamente os dias que se antecederam ao encontro com o Eterno foram dias muito difíceis. E se havia alguém improvável para minha lista de heróis, Hagar era uma dessas pessoas. Mas na contramão do meu preconceito, o próprio Deus decide chamá-la pelo nome e confortá-la em suas lutas e desespero.
Então começa uma sequência de primeiras vezes. Pela primeira vez vemos um relato de “ultrassonografia” na história. Hagar, Ele diz, pode preparar o chá de bebê, você está gravida de um menino. Pela primeira vez o nome da criança é escolhido e anunciado antes do nascimento. “Darás à luz um menino, a quem chamarás Ismael, porque o Senhor te acudiu na tua aflição” (Gn 1611). Fique tranquila, o menino será forte e poderoso. Ele vai cuidar de você! Volta para a tua senhora, faça as pazes com ela e confie.
Quando cheguei à Brasília, no segundo semestre de 2013, enfrentei com minha família um momento muito difícil na vida. Tivemos alguma dificuldade de adaptação à nossa nova realidade. Não creio que tenha sido culpa de ninguém de lá, talvez as coisas não tenham fluído desde o início porque aquela era a primeira vez, na vida, que nos mudávamos de Guarulhos para outro lugar. Fato é que, numa tarde de sábado, cheguei a prometer aos meus filhos, que se nada melhorasse até dezembro daquele mesmo ano, nós viríamos embora, deixando tudo para trás. Eu particularmente não conseguia entender nada do que estava acontecendo.
Semelhantemente a Hagar, já estávamos no “deserto” quando fomos encontrados pelo “Anjo do Senhor”. Ele se apresentou através de amigos que trouxemos para a vida. Amigos que, de repente e de maneira gratuita, decidiram nos abraçar e nos acolher. Nos tornaram parte de suas famílias. Nos presentearam com convites para acompanhá-los em momentos marcantes de suas histórias. Nos ofereceram o privilégio de cuidar de suas filhas. Conheci as esposas no escritório onde trabalhávamos. Os maridos vieram no pacote – e como sou grato a Deus por isso!
Juntos já rimos de doer a barriga, mas também já choramos de molhar a camisa. Já planejamos um milhão de coisas para fazermos juntos, mas também já vimos quase um milhão desses mesmos planos sendo frustrados pelas circunstâncias e pela Providência, que sempre quer o melhor para nós. Penso que algumas dessas respostas negativas que recebemos do Senhor foi algo como Hagar ouvindo a ordem de voltar para a casa de Abraão. Não preciso entender. Ele não tem que se justificar. Ele é o “Anjo do Senhor, Ele é Deus; El-Roi , como Hagar decidiu chamá-Lo – o Deus que tudo vê!
Então, por ter sido encontrado no deserto, por amigos que se tornaram parte da minha família, eu só posso agradecer. Não preciso receber explicações do Céu. Deus sempre fará o melhor por mim, e por minha família. Sei que não será diferente com você. Há ao menos três grandes verdades envolvidas nesse trecho da história de Hagar, minha heroína improvável: Deus me conhece pelo nome e sabe os detalhes da minha vida; Ele me acudirá quando considerar necessário e oportuno; e absolutamente nada passa desapercebido ao olhar de El-Roi, o Deus que tudo vê. Ele me viu. Ele viu minha família num momento em que enfrentávamos nosso “deserto”, querendo tomar o caminho de volta. Ele nos viu pelos olhos de amigos como a Reivellyn, que sugeriu a música de hoje, o Filipe e a Clarice. Ele nos acudiu pelos braços de pessoas como a Nayara, que terá sua sugestão de música atendida num outro momento, o Fábio, a Luíza e a Rafaela – amigos que insistem em nos abraçar, a despeito da distância.
Ps.: Por favor, não pense que estou sendo impessoal ao falar de amigos que você talvez nem conheça. Pelo contrário, minha intenção é fazê-lo perceber que Deus está, o tempo todo, declarando o Seu amor por você e sua família, pelos mais diferentes meios possíveis. Estou tentando lhe dizer que Ele não precisa fazer uso de expedientes espetaculares cada vez que decidir apresentar-Se a você, na intenção de te convencer que Ele está no controle. Meus amigos são meios pelos quais Deus tem cuidado de mim, e sei que Ele está tentando fazer o mesmo com você e por você. E também porque você decidiu ler este devocional até o final: Eu só posso agradecer!
A sugestão de música para ilustrar nosso Devocional de hoje vem de Brasília, DF, e quem nos enviou foi:
Reivellyn Almeida
Marcilio Egidio
Esposo, pai e pastor – nessa ordem. Eterno aprendiz da arte de servir. Alguém que decidiu colecionar os melhores amigos que a vida pode oferecer.